Monica 16/08/2022
Nudez Mortal é uma esquisita amálgama entre o policial, protagonizado pela tenente Eve Dallas, o romance levemente erótico e a distopia. O primeiro género é aquele que efetivamente mais me interessa.
O primeiro livro da série Mortal apresenta-nos a protagonista num ápice: após não ter conseguido impedir a morte de uma menina, Dallas, que está mentalmente desgastada, é chamada para resolver um novo caso, sem ter qualquer tempo para descansar ou ser avaliada psicologicamente nas suas capacidades. O crime em questão é um de muitas reviravoltas: uma prostituta chamada Sharon é encontrada morta no seu apartamento, parece ter sido violada, foi baleada múltiplas vezes e deixada sobre a cama completamente nua. Não há sinais de arrombamento, não há ADN presente no apartamento, não há sémen ou pelos púbicos de outrem no corpo da vítima. Mas apesar de todo este cuidado, a arma do crime foi deixada na cena.
Aquilo que vai complicar a já complicada investigação da tenente Dallas é o facto de Sharon não ser uma zé-ninguém. Os pais dela são dois advogados extremamente bem conceituadas na sociedade norte-americana e o seu avô é um deputado de extrema-direita com imenso poder e prestígio no Senado dos EUA. Juntos, esta família irá exercer uma grande pressão, quer mediática, quer política, sobre a investigação de Dallas.
O desenvolvimento da parte criminal acontece como em todos os outros livros. Gradualmente, os detetives vão aprendendo mais sobre o caso, reunindo mais elementos, passando também grande parte do tempo em deduções acerca do caráter psíquico do assassino, fazendo juízos de valor e "e ses" acerca dos mais variados assuntos. Aquilo que distingue Nudez Mortal de outros romances policiais (para além, talvez, de realmente haver romance) é o desenvolvimento de todo um mundo paralelo ao nosso. Embora publicado em 1995, este livro ambienta-se no ano de 2058, quando a tecnologia evoluiu formalmente, as bases de dados expandiram-se, formaram-se estações interespaciais e é possível carregar um computador no bolso. É também em 2058 que noticiamos uns EUA liderados pela extrema-direita, em que os deputados já podem transgredir o mínimo dos dois mandatos consecutivos, como é o caso do avô da vítima:
«O senador, pelo que Eve notou, havia se beneficiado da mudança de temperatura que ocorrera no país, muito quente na opinião dela, e também da revogação da Lei dos Dois Mandatos. De acordo com a legislação atual, um político poderia manter o seu cargo para toda a vida. Tudo o que tinha a fazer era convencer os seus eleitores a reelegê-lo indefinidamente.»
Roberts complementa esta hipótese de mundo com muitas mais características dignas de dissecação, como as críticas à corrupção política, altamente intemporal pelo que notamos, e até as feridas do planeta, vítima da ação humana nefasta durante as alterações climáticas. São frases singelas que aparecem ao longo do livro, mas que intensamente contribuem para tornar a narrativa mais rica.
Dallas é uma personagem forte e determinada, resoluta de que conseguirá trazer justiça às suas vítimas, mas que, ao mesmo tempo, cai nos amores instantâneos de um bilionário francês, também uma figura de enorme relevância em toda a história, numa construção amorosa que deixa muito a desejar. O desenvolvimento do casal é rápido demais, especialmente tendo em conta que a série conta com 55 livros atualmente, e que se fomenta maioritariamente num fervor sexual que perde mais no que ganha. Apesar de ser um casal em que consigo ver um futuro (e até nem desgosto), entendo que lhes faltava algo mais — quiçá um pouco de sensibilidade no que toca ao ambiente circundante.
Não obstante, a escrita fluída, rápida e viciante da autora é um bom combustível durante todo o livro, o que o torna uma boa fonte de entretenimento. Nudez Mortal tem um pouco de tudo: um romance para os aventureiros, um crime porreiro e acessível (que me lembrou, ligeiramente, do American Psycho) e um world-building digno de alguns debates e análises para quem estiver a fim disso.