O lobo da estepe

O lobo da estepe Hermann Hesse




Resenhas - O Lobo da Estepe


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Ramon.Amorim 04/09/2022

"A seriedade é uma superestimação do tempo"
Existem muitos métodos diferentes para ler literatura. Existem pessoas que promovem e divulgam vídeos para "ensinar a ler" os romancistas, como se existisse um modo realmente correto, que servisse e fosse adequado a todo mundo. Ao longo dos anos fui adaptando métodos que servissem ao meu propósito: não queria apenas dizer que li esse ou aquele autor relevante, muitos dos quais, passados meses, já estavam desbotando na memória. Eu queria me entrelaçar nos livros e nos personagens que me cativaram, nos textos e pessoas, queria beber e me alimentar das experiências e sensações que eu sentia brotar tão poderosamente das páginas dos livros. Queria que essas experiências tivessem para mim significado real e me servissem como repertório para as minhas relações com as pessoas e com o mundo.

Apesar de mais intensa na literatura, essa "educação do olhar" me inspirou também a perceber novas possibilidades na minha relação com o cinema. Vejo carinhosamente filmes como Paris Pode Esperar, Meu Jantar com André e a trilogia Antes do Amanhecer como um tipo de cinema que educa as pessoas na arte do diálogo. Gosto de encontrar pessoas em cafés e restaurantes, de conversar com poucas pessoas por vez, sem muitos sons no entorno, onde possa haver comunicação de verdade, diálogo real entre pessoas. Em situações assim, me lembro desses filmes e me sinto grato por ter aprendido algo tão simples, mas insólito, com eles. Assim, me interessam quase nada a técnica fotográfica, o mise-en-scéne, se a narração é em off ou outros atributos inovadores que, afinal, não me servem como qualidades humanas que emanam da arte cinematográfica.

Um dos livros que mais me inspirou, e continua a me inspirar a me aprofundar na grandeza da literatura, foi publicado a primeira vez 95 anos atrás, em 1927. O Lobo da Estepe, do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962), é um dos romances mais conhecidos do autor e trata da história de um homem de meia-idade chamado Harry Haller e de sua redescoberta da vida a partir do momento em que, caminhando solitário e reflexivo pela rua, em meio a um período de desamparo e melancolia, se vê diante de anúncios luminosos em um velho muro de pedra, anunciando um teatro mágico "SÓ PARA OS RAROS, SÓ... PA...RA... LOU...COS!". A partir de então, viverá situações que ressignificarão sua personalidade e sua existência.

Acredito que, de maneira bem geral, aqueles que leem este livro extraem uma lição bastante singela, que pra mim está sintetizada no onírico encontro de Harry Haller com Goethe. A despeito de toda a seriedade com que Harry explicita sua relação com o conhecimento e a erudição, cobrando de Goethe a mesma postura (o que para Haller seria mais condizente com a obra de Goethe), escuta do lendário escritor a seguinte resposta: "Meu amigo, levas o velho Goethe muito a sério. A seriedade, meu jovem, é uma consequência do tempo; consiste numa superestimação do tempo. Eu também, em minha época, dei valor demais ao tempo, por isso queria viver cem anos. Mas na eternidade, como vês, não há tempo; a eternidade não é mais que um momento, cuja duração não vai além de um gracejo". Todo o diálogo entre eles é belo, é profundo e compõe um painel muito amplo de eventos que servem para que o próprio Harry se leve menos a sério e encare a vida com menos rigor. Afinal, pense com alguma profundidade sobre a finitude e verá que não vale mesmo a pena viver se exigindo tanto.

A eloquente Hermínia, além de Maria e Pablo, cada qual com sua personalidade, belezas e enigmas, vão compondo, a partir do momento em que Harry Haller adentra a hospedaria Águia Negra, uma atmosfera mágica de sensações e de aprendizados sobre a aventura, a dança, sobre o amor e a música ("a música não depende de termos bom gosto ou erudição musical; observe a fisionomia dos pares num salão de dança, como os olhos brilham, como as pernas se movem, é por isso que se faz música", diz Pablo), coisas que ganham novos significados, menos dogmáticos, à medida que eclodem sentimentos diferentes na alma de Harry Haller.

Tudo isso é coroado com a cena do baile de máscaras, cujo desfecho, no teatro mágico, é um dos mais bem escritos da história da literatura. Um verdadeiro banquete ao exercício da fantasia e da imaginação pela arte literária. E toda ela completamente articulada à proposta de revisão do protagonista em relação a uma vida menos rígida.

Simone de Beauvoir (1908-1986), com quem compartilho orgulhosamente dia e mês de nascimento, deu vida a uma personagem em A Idade da Discrição, que diz: "Criança, adolescente, os livros me salvaram do desespero: isso me convenceu de que a cultura é o mais alto valor, e eu não consigo encarar essa certeza com olho crítico". Entendo isso, nada me ensinou mais a respeito das emoções do que a relação sincera e direta com tantas e tantos personagens que me falaram à alma e sobre os quais falo com tanto orgulho e carinho, como bons amigos que fazem parte da nossa rotina diária. O Lobo da Estepe nos ensina a valorizar o conhecimento, mas não de um modo pedante e sim em articulação com a vida, mais plena e mais rica de sonhos, de desejos e mais plural e menos exigente no contato com outras pessoas. Eis um jeito que gênios da literatura encontraram de contar sobre a vida de modo mais vibrante e convincente às vezes que a própria vida.
Venus in Furs 30/12/2022minha estante
Pretende ler Demian também?


Ramon.Amorim 24/01/2023minha estante
pretendo sim, vou ler neste semestre :)




Capitu 25/10/2020

Redescobrindo o gosto pela vida
O lobo da Estepe
O Lobo da Estepe é um livro escrito por Hermann Hesse, publicado pela primeira vez em 1927. Um livro marcante, que te faz repensar sobre a vida e como você a está guiando, uma crítica as guerras e ao mesmo tempo uma história um tanto quando autobiográfica.
Harry Haller (muito parecido com Hermann Hesse, não?), é um homem de 48 anos que se encontra em meio de um abismo existencial, que após encontrar o Tratado do Lobo da Estepe, decide então para si mesmo: se não encontrar um sentido para vida ou mesmo algo que amenizasse essa dor de viver, ele se cometerá suicídio aos 50 anos. Segundo o autor, o livro não trata apenas do sofrimento e da crise de um homem desesperado, mas de um homem que tem fé. Fé para encontrar um meio de sair dessa constante vontade de se matar, desse desejo que tudo acabe logo, mas não é com sua vida que quer acabar e sim com o olhar pessimista e trágico com que ele enxergar a vida. Harry é um misantropo, solitário, que passa a maior parte de seu tempo dormindo, bebendo, lendo e escutando música, e por estar tão absorto em si mesmo, em seu próprio mundo, onde ele não enxerga que ele não deixa as pessoas fazerem parte de sua vida e se vê cada vez mais separado da realidade do mundo.
Harry Haller se sente dois seres ao mesmo tempo, o Homem e o Lobo, o Homem é a sua parte mais civilizada, burguesa e cordial, o Lobo, é o seu lado que não suporta mascarar suas reais ideias, seus desejos mais hediondos, sua fúria e seu ódio pelas pessoas. O Lobo também pode ser entendido como seu “Eu auto crítico”, que reprime severamente e zomba das ações civilizadas de Harry. Em meio a uma forte crise e a um medo de cortar o próprio pescoço com uma lâmina de barbear, aparece Hermínia, uma moça que tem traços de homem, mas é tão vívida, tão cheia de vida, que mesmo com uma escuridão dentro de si mesma, ainda consegue encontrar prazeres e felicidades na vida, algo que ela ensinará Harry a encontrar no mundo da boemia.
Neste novo mundo, Harry Haller será apresentado a um mundo bem diferente da vida solitária e de estudos, começa fazer amizade com outra prostituta chamada Maria e um saxofonista de uma banda de Jazz chamado Pablo. Harry com Herminia vai redescobrir o prazer nas coisas mais básicas da vida, o prazer em saborear boa comida, um bom drink, também vai aprender a dançar (que é algo ridículo para ele) e perder a timidez de chamar alguma moça para dançar, ela vai ensinar a ele o mais importante, o de estar no momento presente, no agora e menos no mundo de seus próprios pensamentos. Na presença de Maria, Harry vai redescobrir o gosto pelo sexo; com Pablo, participa do famosos Teatro Mágico, que é uma alusão ao uso de drogas.
Ao final do livro as coisas vão ficando um tanto mais confusas, e parece estar tudo acontecendo dentro da cabeça de Harry Haller. Então, enquanto Pablo é a personificação do homem que gostaria de ser, Herminia, é a parte feminina de sua personalidade que é mais elementar e agarrada a vida. Herminia seria uma espécie de muleta temporária para Harry não cometer suicídio, mas ela mesma pede a ele, que assim que lhe ensinar tudo, ele terá que matá-la, ou seja, viver, descobrir e sentir os prazeres por si mesmo, viver a vida seja ela um peso ou não, mas sabendo sorrir e degustar as coisas boas que há nela. Por ser um homem muito voltado para si mesmo, Harry havia achado que já conhecia tudo do mundo e Hermina apareceu para mostrar a ele que estava errado, e uma das citações que mais gosto no livro é essa:
"Ah _confessei, nem eu mesmo sei. Estudei, aprendi música, li, escrevi livros, viajei... _Engraçado a ideia que você tem da vida! Sempre metida em coisas difíceis e complicadas, e não aprendeu as fáceis? Não teve tempo para isso? Tinha outras coisas pra fazer. Bem Graças a Deus, não sou sua mãe. Mas agir assim, como se você já tivesse experimentado toda a vida e nela não encontrasse nada de interessante, isso não; isso não pode ser."
O Lobo da Estepe foi um dos livros mais marcantes para mim em 2020, eu adorei a leitura, posso entender a dor de Harry de se sentir solitário e separado do mundo, as vezes estamos tão absortos em nós mesmos que nos esquecemos de apreciar as coisas mais simples da vida.
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Antonio 17/02/2020

Não vou me alongar muito na resenha deste livro, até porque acredito que ainda preciso de outra(s) leitura(s) para aproveitar tudo o que ele tem a oferecer - e tenho certeza de que essas futuras leituras serão tão prazerosas quanto a primeira.

É estranho pensar que Hermann Hesse, como ele mesmo afirma, tenha escrito esse livro para outros que, como ele na época em que escreveu o livro, estivessem em seus 50 anos, tal é a forma como o livro dialoga com todas as idades, gênero e, arrisco-me a dizer, diversas culturas. Um autêntico exemplar daquilo que Goethe chamava de Weltliteratur e que, em Hesse, apresenta traços vanguardistas e, ao mesmo tempo, clássicos.

É possível dividir o livro em três partes. A primeira parte, composta pelo prefácio, o narrador, sobrinho da dona da pensão em que Harry Haller está hospedado, conta as suas impressões sobre esse estranho hóspede. A segunda parte começa com a narrativa de Harry Haller, encontrada pelo narrador anterior. A terceira parte, inserida logo no início da segunda, como um intermezzo, seria o genial Tratado do Lobo da Estepe, descrevendo as características ontológicas, psicológicas e filosóficas do Lobo da Estepe.

Com a forte carga simbólica que ele carrega, o pacifismo de Hesse permeando o livro, com especial ênfase na cena da "guerra às máquinas" e nos artigos que Haller escreveu criticando o nacionalismo e a guerra, além de temas como o amor livre, não é difícil de entender como esse livro foi abraçado pela contracultura nos anos 60 e posteriores.
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Paulo Henrique 10/11/2021

Psicodélico
Hermann é uma leitura poética, cheia de ensinamentos e pensamentos sobre a vida. Esse é o segundo livro que leio, considero Sidarta superior. Em "Lobo da estepe" ele trata de uma homem para lá de seus 40 anos em busca de um sentido na vida, criando o conceito do lobo da estepe, que vive solitário.
O livro parece ter sido escrito por alguém que tomou um alucinógeno e divagou sobre a vida. A parte do teatro de Pablo é puramente psicodélica. Em resumo, gostei, mas não voltaria a ler. Continuo entretanto tendo Hermann Hesse como um dos autores preferidos.
Val 10/11/2021minha estante
Estava querendo ler este livro, adorei Sidarta ...foi um dos meus preferidos.




fabio.orlandini 27/05/2023

Muitas vidas, muitos significados
O lobo da estepe é um livro que não pode ser lido com pressa, nem com a cabeça fechada, pois as imagens poéticas e oníricas nos levam a diferentes portos e nos faz descobrir que temos muitos eus dentro de nós. Como li já em idade madura, não há como não me identificar com Harry e, me colocar em reflexão sobre minha própria vida.
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Paula 01/03/2022

To chocada com o final desse livro.
Vou precisar ler ele de novo depois pra entender melhor.

?Nós, os imortais, não gostamos de coisas que devem ser levadas a sério, preferimos gracejar. A seriedade, meu jovem, é uma consequência do tempo; consiste, permito-me confiar-lhe, numa superestimação do tempo. Eu também, em minha época, dei valor demais ao tempo, por isso queria viver cem anos. Mas na eternidade, como vês, não há tempo; a eternidade não é mais que um momento, cuja duração não vai além de um gracejo.?

?Quem quiser hoje viver e satisfazer-se com sua vida, não pode ser uma pessoa assim como você e eu. Quem quiser música em vez de balbúrdia, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, verdadeiro trabalho em vez de exploração, verdadeira paixão em vez de jogo, não encontrará guarida neste belo mundo??

?E a eternidade não era outra coisa senão a libertação do tempo?
Trovo 25/08/2022minha estante
Captou bem a essência da minha experiência com o livro. Me identifiquei muito com sua resenha.




Airton Alcântara 12/06/2021

onde todos se sobressaltam quando alguém deixa bater a porta
"(...) e onde todos se sobressaltam quando alguém deixa a porta bater com força ou entra com sapatos sujos de lama".

Um dos meus livros favoritos, sem dúvida.

Hesse tem uma sensibilidade para as sutilezas do cotidiano, com ácidas críticas às comodidades burguesas.

Não adiante dizer qual a história do livro, mas é uma profunda discussão sobre a psicologia das múltiplas personalidades, da esquizofrenia que cabe em cada um nós, de não sermos uma só pessoa, mas a mistura desordenada de várias facetas.

O autor, no final, lamenta que muitos não tenham entendido e fiquei feliz por ter guardado esse livro na estante por mais de 10 anos. Acho que não teria entendido aos 20 anos de idade e pretendo reler aos 50.
Josy 19/10/2021minha estante
Faz uns 5 anos, mais ou menos, que li esse livro... Certamente, pra mim, teve um "antes e depois" da minha "passagem" por ele. Devastador, encantador e necessário. Muito bom mesmo, jovem! Conselho: sem métrica pra releitura, os bons livros nos convidam sempre a uma visita atemporal!




Vitor Y. 02/02/2022

O apego à personalidade
Inevitável não refletir intensamente após esta obra. Traz à tona diversas discussões essencialmente humanas, como amor, morte, suicídio, solidão, humor, desejo, "pensamentos elitistas" ou simplesmente "elitismo" (eg., discussões sobre o que seria "música de qualidade" são bem interessantes).

É sem dúvida um livro bem denso. Apesar disso, achei a linguagem bem concisa, direta e objetiva.

Dentre as inúmeras facetas e abordagens deste livro, a que mais me chamou a atenção foi ideia de "apego à personalidade" que possuímos. De fato, nos apegamos tanto a conceitos e personalidades ("eu tenho personalidade X") , que deixamos de aproveitar a (bela) multiplicidade inerente da natureza humana.

Segue um trecho que me marcou muito:

"Harry compõe-se não de dois, mas de cem ou de mil seres. Sua vida (como a de cada um dos homens) não oscila simplesmente entre dois polos, mas entre mil, entre inúmerveis polos, tais como o corpo e o espírito, o santo e o libertino, mas entre mil, entre inumeráveis polos." (P.68).
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Jacy.Antunes 15/03/2023

Teatro Mágico : Só para jovens
Herman Hesse, autor de Demian, Sidarta e Lobo da Estepe  foi muito popular nos anos 60 e 70 na época da contracultura. Thomas Mann , Herman Brock e Herman Hesse são os melhores escritores alemães do início do seculo XX.

O livro é dividido em tres partes: a chegada de Harry à pensão,  o manuscrito O Tratado do Lobo da Estepe e a redenção final após as  experiências vividas com Herminia, Maria e Pablo no Teatro Mágico.

Reli o livro após décadas e ele ainda conserva o impacto da primeira leitura.

Os questionamentos de Harry sobre a dualidade homem ou fera, bem ou mal, certo ou errado são perguntas que nos fazemos na adolescência.

A liberação do inconsciente no teatro  mágico é o final perfeito para o livro que ainda hoje é cultuado por muitos jovens.
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Carolina Del Puppo 15/02/2023

Me tirou da ressaca literária
FANTÁSTICO, é um livro maravilhoso, pelo menos foi essa minha experiência, uma viagem em busca de redenção.
Eu me senti tão envolvida, talvez por ter me identificado muito com algumas questões, mesmo não entendendo bastante coisa, mas compreendi na alma, foi um livro q me tocou muito.
"Mas pobre daquele que não pode se dar a um prazer sem pedir antes a permissão dos outros".
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Pedro.Baldez 22/01/2021

O lobo da estepe
Pessoal, resumindo em poucas palavras: esse livro é só para os loucos. Os que se sentem fora da caixa, por vezes num limiar melancólico. Pessoas que sentem intensidade e ímpeto, e ao mesmo tempo buscam na razão ou na fé algum tipo de redenção. E é exatamente isso que a obra traz: redenção. Redenção contra armas que nós mesmos colocamos diante de nós. Redenção quanto à vida!
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caloanguajardo 19/06/2010

RESENHA: "O lobo da estepe"
O leitor tem, na sua biblioteca, fragmentos de prismas que chama de livros. Eu poderia dizer que eles são espelhos refletores de sua identidade verdadeira, entretanto usei "prismas" porque, depois de ler esta obra, tento prevenir-me contra o impulso de reduzir a uma ou duas dimensões meu próprio ser, sobretudo no universo literário. O espelho reproduz a imagem do indivíduo e a limita a molduras e ângulos de visão, enquanto o prisma refrata essa imagem em várias partes e direções.

"O lobo da estepe" foi escrito em 1927, por Hermann Hesse (1877-1962), quando tinha 50 anos, a mesma idade do protagonista Harry Haller. Harry sente-se exausto aos 50, sente que já viveu e sofreu demais. Sua primeira mulher teve um ataque de loucura e um dia o expulsou de casa. Obviamente isso o traumatizou e ele, que sempre se dedicou aos deleites da vida intelectual (um ótimo leitor, articulista, apreciador de música erudita), sempre introvertido, acha difícil se socializar e também amar de novo. Por isso passa a definir-se como o Lobo da Estepe. O lobo também vive numa comunidade estruturada mas emana uma solitária essência.

“Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio de um mundo cujo objetivo não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! (...) Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar (...). Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem ar nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. (páginas 40-41)

O autor nasceu em 2 de julho de 1877, na cidade de Cawl, na Alemanha e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1946, porém sua vida não foi desde o início voltada para a literatura. Ele teve uma educação severa e guiada por questões teológicas, uma vez que seus pais foram missionários. Somente aos 19 anos ele pôde, de certa forma, romper esses laços e começou a trabalhar numa loja de antigüidades e livros em Tübingen e Basileia.

Hesse põe-se inteiro neste livro. Suas crenças, seus gostos, suas interpretações da vida social. Conhecer Harry Haller é como ter um mapa para a personalidade do Hermann Hesse - um mapa desenhado numa mesa de bar, com todas as imprecisões da embriaguez e dos disfarces ordinariamente usados nos alter ego, mas ainda assim um mapa. Apesar de expor o que pensa sobre a guerra, a burguesia e o capitalismo em outros romances, é em "O lobo da estepe" que ele se despe intelectualmente, faz um mea culpa, é franco sobre suas contradições mais íntimas e se pergunta se, com meio século de vida, talvez já fosse o tempo ideal para explorar partes suprimidas de sua persona – o Harry vulgar, o dançarino, o vulnerável, o social, o que ouve música popular e até o que aprende a ver beleza e erotismo tanto na mulher quanto no homem sem entrar em crise existencial.

Harry não está desesperado, nem deprimido. Ele já pensou no suicídio como já pensou na estética dessa ou daquela poesia ou no próximo pão, todavia não planejava se matar. Ele prefere a dor infernal de suas enfermidades ou a sublimidade, a elação de um ótimo vinho acompanhado de um divino concerto de Mozart – o que ele não suporta são os dias calmos. Ele é aposentado, mas até tem dinheiro. O que lhe sobra é o tédio.

Posso compará-lo a uma outra personagem da literatura internacional: Alice, de Alice no País-das-Maravilhas e Através do Espelho (escritos por Lewis Carroll). Alice inicia sua viagem pelo País-das-Maravilhas quando encontra-se entediada no parque, pois sua irmã estava lendo e não lhe dava atenção, o que a levou a seguir o Coelho Branco até sua toca, o portal para o outro mundo. Harry começa a sua depois de caminhar, solitário e entediado, à noite, e encontrar uma porta num muro que costumava às vezes apreciar, ao cruzar certos recantos velhos e esquecidos da cidade. Acima dela um letreiro dizia:

“Teatro Mágico

Entrada só para os raros

Só para os raros”

Pouco depois de se afastar um pouco do lugar por não conseguir abrir a porta, o letreiro mudou: “Só para loucos!”. Como Alice, Harry precisou de um guia que não falava muito, apenas o incitava a curiosidade e mostrava o caminho: um vendedor ambulante e um cartaz onde se lia:

“Noitada Anarquista!
Teatro Mágico!
Entrada só para ra...”

Harry quis ir ao tal Teatro Mágico imediatamente e, assim como Alice teve de pensar muito para passar pela porta do Submundo, Harry recebeu como resposta “Não é para qualquer um”. Insatisfeito, quis comprar algo do vendedor e recebeu um livreto chamado "TRATADO DO LOBO DA ESTEPE: Só para loucos".

Trata-se de uma jornada íntima, da auto-descoberta, por vias alegóricas, de um ser que só na maturidade aprende a não ofender sua própria inteligência dividindo-se apenas em dois: o bem (seu lado Homem) e o mal (seu sórdido lado Lobo da Estepe). O livreto é uma análise profunda e psicanalítica dele mesmo, entregue por um estranho. Alguns personagens aparecem para mostrar-lhe outras perspectivas do seu próprio eu; tais são Hermínia, Maria e Pablo. São desdobramentos da essência do Harry.

Hermínia (seu próprio nome é uma variação de Hermann) e Maria são seu lado feminino. Enquanto esta é seu lado mais mundano, a primeira é ele mesmo quase completamente, apenas com uma dosagem significativamente menor de erudição. As duas são garotas de programa. Maria é seu hedonismo sexual e se dá a Harry sem hesitar. Hermínia é seu par em perspicácia, seduzia Harry aos poucos para ele se apaixonar por ela e então matá-la, como ela mesma havia pedido. Pablo é o seu lado masculino despudorado, o homem ideal, bonito inclusive, com “olhos de mestiço”, um homem que Harry gostaria de ser (e ter) mas não tem coragem.

Pablo, o qual lhe foi apresentado por Hermínia, o conduz lá pelo fim do livro ao Teatro Mágico, um centro recreativo ao qual se chega com o uso de drogas. Para ter completo acesso, deve se livrar de todos os tabus e amarras, o equivalente a ir a um teatro real e deixar, na entrada, além do casaco e chapéu, todo o resto que cobre o corpo. Lá tantas coisas acontecem e o protagonista aproveita sua personalidade fragmentada dentro dos espelhos do Teatro para reescrever sua história, como num mundo paralelo, atrás de tantas outras portas.

Por tudo isso, é difícil encaixar este romance numa estante específica. Sim, é Literatura Estrangeira, mas deixá-lo lá, sem nenhuma outra pista sobre o que está em seu conteúdo, é como pegar um CD do Mozart e colocá-lo na estante de Música Internacional, cercado por Madonna e Marilyn Manson.

Este não é um romance estritamente psicológico, nem simbolista ou metafísico, muito menos de auto-ajuda. Na verdade, não é uma leitura para qualquer um. Não aconselha-se, por exemplo, aos utopistas e otimistas sujarem com seus dedos de algodão-doce as páginas deste livro e nem a estas sujarem com introspecção os olhinhos de unicórnio dos que só consideram importante a alegria patológica (histeria) e vêem no rebolar do quadril a salvação humana. Este livro ficaria no centro da minha biblioteca e refrataria os inúmeros raios que compõem minha identidade sobre todos os outros.
meire 12/06/2012minha estante
adorei sua resenha! será que não fez uso de spoilers como eu?


caloanguajardo 12/06/2012minha estante
Obrigado, Meire! Olha, não sei minha resenha contém spoilers, creio que não, porém acho que os spoilers são muito mais perigosos em romances de mistério ou suspense. Não adianta eu falar o final de Harry Haller aqui se o que importa realmente é a própria trajetória.




Ade 05/05/2020

Entrada para raros, para raros... Para loucos!
Uma viagem pelo interior da mente e emoções humanas que, às vezes, parece ser simples demais, maniqueista demais... Só que não! Rsrs

"O peito, o corpo, é sempre uno, mas as almas que nele residem não são nem duas, nem cinco, ma' incontáveis, o homem é um bulbo formado por cem folhas um tecido urdido com muitos fios."
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Fabio.Nunes 25/11/2023

Repetitivo
O lobo da estepe - Hermann Hesse
Editora: Record, 2022

Terceiro livro que leio do autor, e o que posso dizer é "repetitivo".
Gostei bastante de Sidarta, mas Demian e este aqui passaram longe de serem experiências boas.
Um livro com forte carga psicológica, cheio de alegorias, mas muito fraco na minha opinião.
Provavelmente não li num bom momento pra esse tipo de literatura, mas me estranhou demais a repetitividade na escrita do autor.
Não curti e não recomendo.
Max 25/11/2023minha estante
Talvez Fábio você não seja um dos "raros"!
Hahahaha ?


Max 25/11/2023minha estante
Desculpe a piadinha infame, não resisti...


Fabio.Nunes 25/11/2023minha estante
Rsrs vc tem a mesma opinião Max?


Max 26/11/2023minha estante
Não. É como você disse, Fabio, a leitura é momento, junto, claro, com a bagagem literária pessoal de cada um. No caso, li na adolescência essa trilogia. Afetou-me profundamente. Um livro como esse, cheio de significações e camadas vai ser sempre complexo, para o bem e para o mal.?


Thayssa.Tannuri 27/11/2023minha estante
? tô doida pra ler... Fiquei preocupada


Fabio.Nunes 28/11/2023minha estante
Fica não Thayssa. Vai com o Max. Minha fase é que não tá boa pra esse tipo de leitura msm


Thayssa.Tannuri 28/11/2023minha estante
Hahaha fui ver as leituras do Max e vi que ele deu 5 estrelas para "A Mão Esquerda da Escuridão", já considero ele pacas ???


Max 28/11/2023minha estante
Obrigado, Thayssa! Mas considero o Fábio pacas, também! Hahahaha ?


Thayssa.Tannuri 28/11/2023minha estante
Hahahaha eu também!!! Esse Skoob é cheio de gente incrível ?


Fabio.Nunes 29/11/2023minha estante
Vcs são incríveis kkk. E a mão esquerda da escuridão tá bem aqui na fila pra ser lido




Fernanda Quinderé 10/06/2021

?Saímos da natureza e caímos no vazio?
O Lobo da Estepe, para muitos, pode não ser um livro fácil de ser lido. Mas essa complexidade é o que faz dele um livro incrível e me fez entender o porquê de Hermann ter um nobel. Para quem achou difícil, eu imploro: não desistam! É recompensador e vai te fazer repensar a vida.
O Lobo da Estepe conta a história de Harry (ou seria Hermann?), um homem de 50 anos que passa por uma crise existencial. Percebe-se o quanto Hermann foi influenciado pela Psicologia Analítica de Jung em sua narrativa: Harry convive com sua sombra, o Lobo, passando por uma crise de meia idade, ora dominado por sua persona, Harry, ora por sua sombra, o Lobo. Só esse enredo já daria uma boa história, mas é muito mais que isso. Hermann traz o momento histórico que vive, entre guerras, política e a modernização do mundo. Ele é um homem que tem muita dificuldade para lidar com as mudanças que ocorrem e sua rigidez o impede de viver, problematizando tudo. Durante sua caminhada, encontra Hermínia, sua anima ou lado feminino, que ajuda Harry a sair da depressão. Hermann nos mostra como não somos seres duais, mas um universo. Diversos arquétipos habitam em nós, não existe maniqueísmo. Estamos sempre convivendo com nosso lado primitivo e com o humano.
Acredito que cada um terá interpretações e sentimentos diferentes com O Lobo da Estepe, mas tenho certeza que é uma leitura transformadora. É realmente complexo e desafiador, mas vale a pena. Como o próprio Hermann diz no posfácio, não se trata de um livro de morte e destruição, mas de redenção.
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