Raphael 24/12/2020“Aprender a viver” de Luc Ferry. Esta obra com nome de livro de auto ajuda na verdade trata-se de um livro de filosofia apresentando assuntos sérios e profundos de uma forma mastigada para não iniciados no ramo.
Luc Ferry, francês, foi ministro da educação em seu país e escreveu já diversas obras voltadas para a filosofia. Aqui vemos um panorama bem amplo de mudanças de perspectiva nos sistemas de pensamento filosófico em geral. Antes, contudo, ele estabelece a distinção básica entre filosofia e religião, conforme veremos em seguida.
Para que serve a filosofia? Na abordagem aqui apresentada, filosofia encontra sua fonte mais profunda na reflexão sobre a finitude do ser humano. Em outras palavras, ela ajuda a afastar o medo da morte, que tanto aflige o ser humano pensante. Eis o ponto em que filosofia e religião possuem algo em comum. A resposta para esta inquietação, contudo, diverge conforme a perspectiva adotada. Com efeito, para a religião, o conforto no tocante a este problema reside na fé em uma vida melhor e posterior, na presença divina. A filosofia, por sua vez, tratou dessa questão das mais variadas formas conforme o pensamento filosófico foi se sucedendo na história.
Comecemos com uma rápida passagem pelos gregos antigos: a ética deles dizia que o universo era um todo ordenado e a vida boa pressupunha um encaixe nesse todo cósmico, algo que eles denominavam como “lugar comum”, ou seja quando atingimos a excelência naquilo que fazemos estamos agindo de acordo com a ordem cósmica. O olhar deles para a morte, por sua vez, era de resignação pois, conforme sustentavam, somos feitos da mesma matéria em que o cosmo foi criado e, após a morte, passaremos simplesmente por uma transformação, voltando para o todo ao qual sempre pertencemos, na forma de átomo mesmo. Era uma perspectiva impessoal do pós mortem: retornamos ao todo cósmico, mas perdemos a nossa consciência. O universo, nessa ótica, possui uma estabilidade absoluta e, por isso mesmo, divina.
O pensamento filosófico-cristão que sucedeu o grego foi muito mais sofisticado. Sobre a ética deles, todos nós a conhecemos e, no tocante ao pós mortem, diziam que proporcionava sim uma experiência pessoal, ou seja, através da salvação divina (atingida conforme seus critérios), teríamos uma vida após a morte ainda com a nossa consciência, nosso corpo, nossa individualidade e ainda um plus: na companhia de entes queridos que já morreram. Fica fácil, assim, perceber o quão sedutora foi a elucubração cristã para a vida após a morte. Não é difícil de vislumbrar os motivos pelos quais tornou-se rapidamente preponderante no contexto social e cultural em que fora elaborada.
Séculos depois, contudo, diante da revolução científica produzida por grandes nomes como Copérnico e Galileu, o homem passou a enxergar o universo sob uma ótica nova, não havendo mais espaço para sustentar a ideia de um Deus que mora no céu, tampouco um cosmos todo ordenado. Passamos, assim, para uma perspectiva humanista no tocante às questões éticas e filosóficas, adotando um olhar mais antropocêntrico sobre as coisas. Diante desse contexto, surge o humanismo e a modernidade.
Na modernidade, em breves palavras, a liberdade se torna o fundamento da moral. Rousseau e Kant trabalham as questões da ética (não abordarei por falta de espaço) e a questão da salvação é justificada em prol de uma causa superior: a revolução, a pátria, a ciência. Tratou-se da última via para atingir a eternidade: conciliar a vida e o ideal, sacrificando-se eventualmente por ele. Parece pouco confortável comparando-se com o projeto de salvação cristão, não é? Lembremos que o homem, nessa época, encontrava-se desnorteado e sem parâmetros após a revolução da ciência moderna.
Nesse contexto, surge o fundador e maior escritor da pós modernidade: Nietzsche. Ele diz que os herdeiros do humanismo que se dizem ateus, ou materialistas na verdade continuam crentes. Não mais por rezarem a deus, mas por acreditar que alguns valores são superiores à vida, que o real deve ser julgado em nome do ideal, que é necessário moldá-lo de acordo com esses valores: direitos do homem, a ciência, a razão, a democracia, socialismo, etc. Nietzsche, aqui, denuncia que a religião foi abandonada, mas o homem ainda encontra-se preso ao que ele denomina de estrutura religiosa do pensamento. Ou seja, nega a vida, em prol do ideal. Eis o nascimento da pós-modernidade.