tiagonbraz 17/07/2022
Uma Mente Inquieta, de Kay Redfield Jamison
"Qual dos meus eus sou eu? O selvagem, impulsivo, caótico, vigoroso e amalucado? Ou o tímido, retraído, desesperado, suicida, cansado e fadado ao insucesso?"
Publicado em 1996, "Uma Mente Inquieta" é uma obra autobiográfica de Kay Jamison, psicóloga estadunidense e uma das grandes referências mundiais em Transtorno Bipolar - doença com a qual ela convive desde os dezessete anos. Apesar de diversas ambivalências sobre a publicação ou não do livro, narrando sua luta contra a doença (e contra o tratamento), temendo as consequências para sua prática clínica, felizmente Jamison decidiu por compartilhar sua história - e presenteou-nos com um relato precioso das vivências do indivíduo com bipolaridade.
Assim como diversas outras doenças psiquiátricas, a bipolaridade sofre de estigma e preconceito, e por vezes banalização; afinal, não há exame "comprobatório" - o diagnóstico é eminentemente clínico, levando em conta a história que o paciente conta. Isso pode tornar difícil a quem não é da área ou tem convívio com tais pacientes a entender aspectos fundamentais desta doença: como a de que o paciente não tem controle sobre muitas de suas ações e emoções - não é "só querer", ou "frescura". Ilustro o fato da banalização com o funk lançado em 2021, cuja letra diz "você é bipolar demais"; o termo virou sinônimo de alguém que alterna as emoções rapidamente, o que não é necessariamente verdade para alguém com a doença. Os episódios depressivos e maníacos - os dois polos da doença - são geralmente bem marcados, durando pelo menos uma semana cada um.
A importância do "Uma Mente Inquieta" é quebrar este estigma, e mostrar da perspectiva de quem sofre como são estes episódios maníacos - com grande energia, diminuição da necessidade de sono, gastos excessivos e eventualmente perda da conexão com a realidade - e depressivos - com perda do sentido da vida, humor deprimido e pensamentos suicidas. Jamison descreve ambos os estados - tanto os voos elevados, sedutores mas perigosos, quanto os abismos profundos - de forma magistral e poética, com metáforas certeiras e que facilitam ao leitor imaginar o que ela estava sentido ou o que estava se passando em sua mente. Ela demonstra toda sua vulnerabilidade nestes estados e, ainda mais, entre eles, quando eutímica (com o humor normal, nem depressiva nem maníaca). Apesar do conhecimento acerca da doença, ela lutou contra o uso da medicação durante anos, e deixou de tomá-la várias vezes - o que, inevitavelmente, levou a outros episódios depressivos e maníacos. É um alerta de que, não importa o grau de conhecimento, é sempre possível que o paciente não consiga enxergar o problema - e surge então a necessidade de apoio da família, amigos e principalmente profissional, para que o tratamento necessário seja feito. "Medicina e amor" são o tratamento, conforme a própria Jamison relata no epílogo. Eventualmente, com medicações, tratamento psicoterápico e muito apoio das pessoas íntimas, ela conseguiu atingir a estabilidade da doença, não antes de uma tentativa de suicídio com o próprio lítio.
A obra é, portanto, fundamental a psiquiatras e profissionais que lidem com a doença maníaco-depressiva, para que possam ter alguma ideia do que ocorre na mente de seus pacientes - sei que, no meu caso, foi de extrema valia. Ademais, pacientes que têm a doença também verão na leitura grande utilidade - o livro é tanto um alerta para as consequências do abandono das medicações, quanto uma mensagem de esperança da cobiçada estabilidade que o tratamento seguido corretamente pode proporcionar.