Art 28/04/2024
A maldição do passado e nossos adversários do futuro: o fechamento de Scott Pilgrim e o porquê de até seu cachorro saber que relacionamentos são complicados
Bryan Lee O'Malley, o criador de toda a saga, mostra em seu desfecho que a verdadeira luta de Scott nunca foi contra os ex malignos da Ramona, e sim contra o seu próprio passado e sua visão egoísta.
E, por mais que o roteiro seja todo épico e fantasioso, ele nos diz pelo modo em que os personagens, tão caricatos, são também humanizados. Mais humanizados do que protagonistas de roteiros que se pretendem a ser realistas.
Não há vilões em histórias amorosas (não na maioria delas), assim como esses personagens não passam de uma idealização fantasiosa. O vilão sempre será quem que te rejeitou e você provavelmente o vilão do outro (chega de falar daquele filme 500 days of summer e querer escolher um certo ou errado naquela ocasião!). Esse maniqueísmo amoroso é o que, de certa forma, move a saga Scott Pilgrim de início, até que surge a terceira edição.....
Por boa parte da história, acompanhamos a visão do protagonista quase que de forma exclusiva e, consequentemente, compartilhamos de sua moralidade na narrativa: ser um herói. Scott é quem salva seus pares românticos de homens malignos frustrados por meio de pontapés e socos que ninguém sabe explicar a origem da força. Dá mesma forma, sua única desilusão amorosa é totalmente culpa da trituradora de corações Envy Adams. Mas será que é bem assim?
Quando cai na real (o que demora MUITO), Scott finalmente percebe não só foi vítima de seus relacionamentos, como também o cara babaca deles ao mesmo tempo. O que também não começa com a cronologia da série em seu relacionamento com a Knives, mas muito antes disso. E isso vale pra basicamente todos os personagens da saga (menos pro Wallace pois ele é divo).
Como isso vale pra todo mundo e talvez independente da idade (alguns mais que outros), o que vai diferenciar é a forma como você vê e lida com suas próprias mancadas e a dos outros.
A Ramona, por exemplo, tem um gatilho de fuga e mudança que a obriga a faz fugir de seu passado como se estivesse em um filme de terror sendo perseguida por gêmeos demoníacos. É algo realmente aterrorizante que não deixa a personagem simplesmente ter continuidade com algo por ter sempre seus erros do passado voltando ao presente (desculpa Ramona). Ela não consegue seguir em frente.
Já o Scott simplesmente vive de forma tranquila com seu passado pois ele simplesmente não lembra de nada. Ele apagou completamente da sua memória os seus erros para não ter que lidar com aquele fardo. Enquanto a Ramona está constantemente presa naquilo, o Scott nunca está. O ponto da obra é: ambos os comportamentos vão machucar: um vai doer mais em você todos os dias enquanto o outro vai prx ex. E o problema da maneira “Scott Pilgrim de lidar com relacionamentos” com certeza vai ferir mais a outra parte, enquanto ele se encontra fechado em sua autoproteção que não o deixa admitir o erro. A pior parte é: ele não sabe que errou, que machucou alguém e, consequentemente, não vai mudar ou aprender com aquilo, vai sempre sofrer da síndrome do mocinho que luta contra os ex malvados da namorada. Eu disse pra sempre? Bem, talvez não seja bem assim......
O desfecho da HQ é muito bom (coisa que o filme, por exemplo, não consegue representar) e sua mensagem surpreende pela pureza, ingenuidade e esperteza de que essa fictícia realidade é dotada, mas, mesmo assim, “Scott Pilgrim” como saga vai muito além disso...por mais que o texto seja mais sobre o seu final. Com constantes quebras da quarta parede, o autor usa e abusa da metalinguagem para se criticar, criticar seus personagens e jogar outras indiretas alheias de forma sempre muito bem inteligente. As piadas idiotas e referências musicais do indie se juntam aos carismáticos e apegáveis personagens na criação de um próprio universo que te deixa curioso pra saber mais sobre cada um que lá existe. Daria pra fazer uma imensa lista de personagens que poderiam ter spin off. E é apenas nesse Canadá paralelo em que poderia existir os hilários absurdos de uma polícia vegana ou do pai espadachim da Knives.
WE ARE SEX BOB-OMB
ONE TWO THREE FOUR!