Paulo Sousa 19/01/2019
Complô contra a América, de Roth
Livro lido 2°/Jan//2°/2019
Título: Complô contra a América
Título original: The Plot Against América
Autor: Philip Roth (EUA)
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Record
Ano de lançamento: 2004
Ano desta edição: 2015
Páginas: 440
Classificação: ????????
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"Sem querer, havíamos chegado ao próprio âmago da história da nação, e mesmo que não fôssemos capazes de exprimir esse sentimento em palavras, contávamos com a história americana, com o que nela havia de mais inspirador, para nos proteger contra Lindbergh" (pág 72).
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Retomando o solitário projeto de leitura dos romances de Philip Roth, a cuja etapa final já começo a vislumbrar, acabo de ler O romance publicado em 2004, "Complô contra a América". Este foi um livro que gostei deveras, tão excelente quanto A marca humana e Portnoy, mas tão piadista quanto Operação Shylock, apesar de tratar de um assunto tão delicado.
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No volume, Roth abandona um pouco a veia ficcional, e constrói um livro totalmente entremeando memórias da sua infância com um ambiente político alternativo alguns anos antes da eclosão da Segunda Grande Guerra. Ele imagina Charles Lindbergh, o aviador solitário que ganhou fama após ser o primeiro a cruzar o Atlântico entre Nova Iorque e Paris sem escalas, derrota o então presidente Roosevelt numa acirrada campanha eleitoral. Lindbergh tinha grande simpatia pelo nazismo, vindo mesmo a lançar manifestos aonde mostrava sua admiração ao regime alemão. Chegou mesmo a ser condecorado com alta honraria do Reich, que dividiu opiniões nos Estados Unidos.
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No romance de Roth, Lindbergh, agora presidente, além de declarar a total neutralidade americana na guerra que ora eclodira, estreita ainda mais os laços do governo americano com Hitler. O clima no país, divido por aqueles que eram favoráveis à forma de governo de Lindbergh e uma parcela particularmente preocupada com essa aproximação, era de total tensão. O pequeno Philip Roth, de 9 anos, é quem narra toda a história, misturando memórias sentimentais e pueris com fatos críticos quando uma aparente conspiração buscava uma solução final para os judeus americanos, o que Philip materializou dentro do universo da Summit Avenue, em Newark, Nova Jersey, endereço real onde o escritor viveu quando criança.
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O livro inteiro, uma espécie de diário de recordações do próprio Roth, devaneios nessa sociedade marcada pela desconfiança, pela abrupta falta de segurança entre os judeus americanos criada e alimentada por Lindbergh e sua trupe, cujos atos, disfarçados de programas de "recolonização" na verdade visavam espalhar as famílias judaicas que, uma vez separadas e isolada, estariam mais vulneráveis à intolerância e perseguição aos judeus que em tese seriam opositores do "capacho" de Hitler.
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O livro é brilhante. Ri à beça com as puerilidades do menino Roth, a cujos medos e impressões, desde fantasmas nebulosos aprisionados no porão de sua casa até objetos que, uma vez na penumbra das madrugadas ganhariam vida e aterrorizariam o pequeno Philip, aos parentes e vizinhos singulares que moldaram a infância do caçula Roth, criam um contraste curioso diante da tragédia anunciada por uma possível solução final americana, justamente num país que havia abraçado a comunidade semita. Ver seu irmão mais velho, Sandy, se aliar a Lindbergh, ao mesmo que o primo Alvin, um jovem herói da guerra contra Hitler, onde perde a perna, o medo de seus pais de verem aquele ambiente perfeito onde criar os filhos de repente ser tomado pelo pavor de um pogrom, são alguns dos dilemas levantados pelo livro, que leva o clima de conspiração aos limites quando uma inesperada reviravolta torna o romance ainda mais complexo e fascinante.
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Complô contra a América definitivamente é daqueles livros simplesmente perfeitos!