Complô contra a América

Complô contra a América Philip Roth




Resenhas - Complô contra a América


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jota 17/09/2013

Paranoia judaica?
E se em 1940, em vez concederem um terceiro mandato para Roosevelt, os EUA elegessem presidente Charles Lindbergh, o famoso aviador condecorado pela Alemanha hitlerista e que defendia ideias de purificação racial americana?

Os Roth, americanos judeus de Newark, Nova Jersey, atores desta trama ao lado de conhecidos personagens históricos e outros fictícios, com a eleição de Lindbergh começam desde logo se sentindo estrangeiros na própria terra da liberdade.

Não apenas eles, mas outras famílias judaicas, de negros, de imigrantes de várias partes do mundo, etc. E aos poucos, conforme a guerra prossegue na Europa, vamos tendo, em escala bastante reduzida, mas nos moldes do que ocorreu no Velho Continente, a criação de colônias para americanos judeus, perda de empregos, preconceito, perseguição e morte de membros da comunidade judaica, etc.

Nesta ficção distópica (que transcorre no passado, mais ou menos nos moldes do excelente Pátria Amada, de Robert Harris que, no entanto, leva a paranoia nazista bem mais longe), temos não apenas o ambiente político mundial em primeiro plano, mas também as aventuras do próprio autor, o pequeno Philip Roth, e as peripécias por que passam seu pai, a mãe e o irmão mais velho.

Isso compensa, em parte, as escorregadelas que J. M. Coetzee identifica em seu longo artigo sobre o livro. Em Mecanismos Internos, Coetzee destaca alguns problemas que o livro de Roth apresenta por se tratar de um romance realista sobre fatos imaginários: a eleição do simpatizante fascista Lindbergh para a Casa Branca e seu governo durante parte da II Guerra Mundial.

Ele nos mostra que para dar coerência e sequência à trama, Roth vê-se obrigado a alterar a cronologia da guerra e outras coisas mais, que vão comprometer em boa parte a plausibilidade da história que nos conta. Vale a pena uma leitura desse artigo, antes ou depois de ler Complô...

Em certo momento da trama o vizinho Canadá (aliado da Inglaterra e ambos contra a política externa dos EUA, fora da guerra, mas aliados da Alemanha, Japão e Itália), está a ponto de ser atacado pelos EUA, por abrigar judeus americanos “traidores” e colaborar no esforço inglês de debelar o nazismo na Europa. Canadá e EUA são, de longa data, países irmãos, então fica um pouco difícil acreditar nisso, não?

Complô... tem não apenas escorregadelas e drama, mas também momentos muito bem-humorados, protagonizados pelo pequeno Philip e alguns de seus amiguinhos, especialmente o enrolado judeuzinho Seldon e o italianinho de bunda grande, Joey. O que seriam “ratzistas” e “suastiqueiros”? Fácil, não? E assim, também abundam anedotas judaicas, espalhadas ao longo desse longo livro (488 páginas).

Numa delas, o tio de Philip, Monty pergunta ao sobrinho se ele sabe o que é feito com o prepúcio dos judeuzinhos depois da circuncisão. O pequeno responde que não. Então o tio Monty lhe diz: “Pois bem, eles vão guardando, e quando tem bastante prepúcio eles dão tudo pro FBI pra eles fazerem agentes.” Numa outra variação da piada os prepúcios são enviados à Irlanda. Para quê? “Pra eles fazerem padres.” Pois é, lendo e aprendendo. Sempre.

Mesmo com as forçações de barra apontadas pelo Coetzee aqui e ali, penso que apenas uma nota três não demonstraria plenamente o quanto Complô Contra a América me agradou no geral. E mesmo quatro acho pouco, mas injustiça maior os acadêmicos fazem com Roth que ainda não ganhou um merecido Nobel de literatura.

Lido entre 31/08 e 10/09/2013.
Arsenio Meira 09/10/2013minha estante
Excelente, Jota. Aqui a concordância (da minha parte) é total, e irrestrita. Principalmente com os dois últimos parágrafos. É miopia, no mínimo, o fato de o Nobel não ter ido parar na estante de Roth. E injusto. Se Steinbeck, outrora, arrebatou o prêmio, então, a injustiça é flagrante.


jota 09/10/2013minha estante
Amanhã (10/10/2013) ficaremos sabendo se Philip Roth foi novamente preterido pelos acadêmicos. Muitas fichas apostadas em Haruki Murakami, algumas também em Umberto Eco. E eu gosto de vários livros do John Steinbeck, alguns que considero modernos clássicos da literatura americana - começando por As Vinhas da Ira, A Leste do Éden, O Inverno da Nossa Desesperança...


Arsenio Meira 10/10/2013minha estante
É vero, Jota. Bem anotado. Sua resposta alertou-me para uma injustiça involuntária em minhas palavras em relação ao Steinbeck. Dou a mão à palmatória, e reconheço e removo este erro.

Do Steinbeck gosto muito, muito mesmo do romance "As Vinhas da Ira" e principalmente da novela "Ratos e Homens', que é pungente, breve, cortante, retrato da desolação econômica provocada pelo crash da bolsa de NY de 1929, a partir da desolação humana, a exploração sanguinária, predatória, com personagens inesquecíveis, que rendeu uma excelente película, na minha opinião, dirigida e estrelada por Sinise e pelo genial John Malkovich.

São dois grandes escritores. São universos distintos e geniais ao mesmo tempo. Um não deve nada ao outro, e todos somos devedores de ambos (em termos de satisfação cultural.)

Mas Roth, como notou o maior poeta brasileiro vivo, Ferreira Gullar, com autoridade inconteste em entrevista concedida ao velho programa "sem censura", é um mestre, uma prosa incansável, decorrente de sua audácia intelectual e riqueza narrativa.

"Complexo de Portnoy" é um tratado cômico, e para quem tem interesse nos judeus e no anti-semitismo, "Operação Shylock" é o caminho, dentre outras virtudes dos demais romances, já detectadas em suas anotações aqui no skoob.

Se Steinbeck fez jus ao Nobel, e fez, como preconizou o poeta de O POEMA SUJO, Roth faz jus e já devia ter arrebatado o prêmio, pois este filho de judeus nascido em Newark, Nova Jersey criou um universo mais abrangente, que você, Jota, conhece e conhece bem.

Para quem não conhece o Roth, indico sempre suas resenhas. Alguns amigos meus frequentam esta página, apesar de não terem paciência em se habilitar aqui, e em função da minha dica para observarem as suas resenhas, hoje são leitores entusiastas de Roth.




jota 10/10/2013minha estante
Não foi desta vez também: a escolhida de 2013 foi a canadense Alice Munro, "mestre do conto contemporâneo." Nunca li nada dela.


Arsenio Meira 10/10/2013minha estante

É dose. Tenho comigo da Alice Munro "O Amor de uma Boa Mulher", "Felicidade demais" e "A fugitiva". Não os li ainda. Dois comprei e um ganhei. Todos de contos. Gosto muito do conto, enquanto gênero literário. Mas... Não sei. Como não li, não quero cometer uma hipotética injustiça. Todavia, a obra do Roth, totalmente devotada ao desgastante caminho do romance, parece-me mais robusta.




Renato 10/04/2017

Tristes semelhanças
'Complô contra a América' é um excelente, mas não o melhor livro de Philip Roth. Mas ganhou notoriedade no final de 2016 com a surpreendente eleição de Donald Trump para presidência dos Estados Unidos. Muitos disseram que Philip Roth havia antecipado esta eleição. No livro, as eleições americanas de 1940 teriam tido dois candidatos, Rossevelt e o ultra-direitista, pró-nazista Charles Lindbergh, que acabaria vencendo, aproximando os Estados Unidos a um regime anti-semita e autoritário sob a máscara do pacifismo e democracia.

Muitos argumentos de Roth, suas observações sobre o espírito americano e sua democracia coincidem com a eleição de Trump. O favorito democrata foi desbancado, muito em torno do discurso do isolamento americano e seu distanciamento das questões mundiais. Mentira eleitoreira, os Estados Unidos não se isolam. O que no livro de Roth destoa da realidade de Trump é a postura de submissão de Lindbergh a uma potência estrangeira, relegando de certa forma os Estados Unidos a uma posição secundária no cenário internacional.

Da mesma forma, o autoritarismo e o discurso hipócrita, populista, do presidente real e ficcional são muito próximos, mostrando a facilidade de sedução do eleitor americano, especialmente quando se fala na paranoia em torno de perda da sua 'liberdade', de sua livre iniciativa. Mas quem disse que autoritarismo é liberdade de escolha?

O livro de Roth centra seu foco na aproximação dos Estados Unidos com o anti-semitismo, e a facilidade de despertar sentimentos xenofóbicos na população americana. O racismo e o segregacionismo são facilmente despertáveis na maior parte dos países, podendo ser uma grande ferramenta do poder. Ele mostra pouco outra aproximação possível entre o nazismo e a democracia hiperliberal americana, especialmente nos moldes de Donald Trump: a aproximação econômica. O nazismo oscilou entre um 'socialismo' caracterizado por medidas populistas que minoraram a crise pós-primeira guerra e um favorecimento intenso ao grande capital, usando inclusive a máquina de guerra (à semelhança de Eisenhower) em favor das grandes empresas.
Nesta perspectiva, as semelhanças não param aí. A democracia americana é uma ilusão de liberdade, é na verdade um teste de múltipla escolha pré-determinada. Obviamente melhor que uma autocracia onde só há um ponto de vista. Mas não esqueçamos que o americano também só aceita um ponto de vista: o contrário ao estado, o defensor do individualismo. Mas o partido que se vota, a marca do carro são objetos de livre escolha. Assim como o direito de ir e vir e o de expressão, ainda que monitorado pela NSA e todas as ferramentas na internet.

No nazismo, o capital deu sustento a um estado totalitário, que tem como uma das características a desindividualização, a entrega do indivíduo ao estado e submissão religiosa à máquina. Na verdade, o estado totalitário substitui a religião.
No capitalismo americano tanto a submissão quanto a religiosidade também existem. Deus é substituído pelo capital, as corporações como igreja. O indivíduo se submete às empresas entregando sua individualidade, sujeito às intempéries divinas num fervor religioso. Sujeito a agressões disfarçadas em palavras suaves, como fazia muitas vezes o nazismo, e delegando a culpa ao indivíduo. Pecadores são os que fracassaram, que não galgaram posições ou tiveram progressão econômica. Culpa da inteligência emocional, da falta de resiliência e flexibilidade.


Da mesma forma podemos pensar numa utopia. O nazismo tinha sua utopia, um mundo ideal, saudável, povoado por uma raça pura. Seu extremo oposto também, a utopia de um mundo repleto de indivíduos dispostos a viver em coletividade e colaboração. Ilusão é achar que no Trumpismo e no capitalismo hiperradical não carregam suas utopias. O empreendedorismo é seu mito. Igualmente inatingível. É muito difícil acreditar que os indivíduos irão se tornar empreendedores independentes. Há espaço para empreender em pequena escala, desafiando as grandes corporações? Todos estão preparados para ser igualmente ousados? Em todas as funções?

Perversamente, a liberdade americana é uma forma disfarçada de entrega a uma entidade abstrata, não a religião ou o estado, mas o capital. Difícil é saber se é possível um modelo que seja menos opressor, ou saber se o ser humano tem uma tendência à entrega a uma entidade paternalista. Qualquer que seja a resposta, Hitler, Lindbergh e Trump mostram a fragilidade assustadora do ser humano.
Diogo 25/12/2017minha estante
Com a pequena diferença de que Trump é pró-Israel, vide o reconhecimento de Jerusalém como capital...




Bruno 10/08/2010

Bom. Mas pelos motivos errados.
A história não enfocou exatamente o que eu esperava. Aliás, não chegou nem perto. Tinha em mente algo um pouco mais ousado, com o governo norte-americano tomando reais medidas anti-semitas, mostrando-se aliado à Alemanha Nazista.

Esperava por uma história com um clima mais "thriller de ação", mas acabei encontrando um clima de expectativa quanto aos fatos decorrentes do início da guerra no continente europeu e um presidente americano simpatizante ao Nazismo, mas sem nunca ameaçar diretamente seus governados com campos de concentração e perseguições. Nem apoiando diretamente os países do Eixo. Tudo isso sob a ótica de um garoto de nove anos, que procura conciliar a pressão de uma guerra com as suas experiências de infância.

No fim das contas, o saldo é positivo. Apesar de uma história um pouco fria, com poucos grandes momentos de tensão, a narrativa é envolvente e observar as travessuras de um garoto - enquanto o resto do país se divide entre participar ou não do confronto mundial - torna-se algo divertido e cativante.

O livro é interessante e vale a pena ser lido. Infelizmente, ao menos para mim, por motivos diferentes ao que eu esperava.
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Gisa 31/10/2009

América
O livro é muito gostoso de ler, apesar de todo horror que é pensar no nazismo chegando aos Estados Unidos e suas nefastas consequências, o autor amarra muito bem os acontecimentos, mas na minha opinião o final ficou aquém do que eu esperava, se comparado com o restante do livro.
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Luis Netto 28/10/2010

Complô contra a América
O autor da obra, Philip Roth, mostra uma outra visão sobre esta Guerra sangrenta, revelando que a partir do momento que os Estados Unidos da América se coloca diante da guerra, pelo fato de ter sido atacado pelo exército japonês, com isso os americanos decidiram entrar neste conflito, que no começo era apenas Europeu, com sua tecnologia que vinha em ascensão, com armamentos capazes de vencer um conflito sem muito esforço, esperando o fim da guerra.
Toda esta tecnologia fizeram com que os alemães iniciassem um certo conflito com o exército norte-americano, destruindo navios, aviões, entre outros. Tentando tirar esta grande potencia do intenso caminho até a vitória, fato que não ocorreu, mas imagine se toda esta ação fosse executada com sucesso pelos nazistas hoje poderíamos estar vivendo sobre forte ditadura.
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Renan Araújo 11/02/2017

O melhor escritor americano vivo!
Philip Roth é sempre incrível, historia envolvente, com fundo histórico(fantasioso), sem papas na linguá, vale a pena....
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Paulo Sousa 19/01/2019

Complô contra a América, de Roth
Livro lido 2°/Jan//2°/2019
Título: Complô contra a América
Título original: The Plot Against América
Autor: Philip Roth (EUA)
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Record
Ano de lançamento: 2004
Ano desta edição: 2015
Páginas: 440
Classificação: ????????
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"Sem querer, havíamos chegado ao próprio âmago da história da nação, e mesmo que não fôssemos capazes de exprimir esse sentimento em palavras, contávamos com a história americana, com o que nela havia de mais inspirador, para nos proteger contra Lindbergh" (pág 72).
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Retomando o solitário projeto de leitura dos romances de Philip Roth, a cuja etapa final já começo a vislumbrar, acabo de ler O romance publicado em 2004, "Complô contra a América". Este foi um livro que gostei deveras, tão excelente quanto A marca humana e Portnoy, mas tão piadista quanto Operação Shylock, apesar de tratar de um assunto tão delicado.
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No volume, Roth abandona um pouco a veia ficcional, e constrói um livro totalmente entremeando memórias da sua infância com um ambiente político alternativo alguns anos antes da eclosão da Segunda Grande Guerra. Ele imagina Charles Lindbergh, o aviador solitário que ganhou fama após ser o primeiro a cruzar o Atlântico entre Nova Iorque e Paris sem escalas, derrota o então presidente Roosevelt numa acirrada campanha eleitoral. Lindbergh tinha grande simpatia pelo nazismo, vindo mesmo a lançar manifestos aonde mostrava sua admiração ao regime alemão. Chegou mesmo a ser condecorado com alta honraria do Reich, que dividiu opiniões nos Estados Unidos.
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No romance de Roth, Lindbergh, agora presidente, além de declarar a total neutralidade americana na guerra que ora eclodira, estreita ainda mais os laços do governo americano com Hitler. O clima no país, divido por aqueles que eram favoráveis à forma de governo de Lindbergh e uma parcela particularmente preocupada com essa aproximação, era de total tensão. O pequeno Philip Roth, de 9 anos, é quem narra toda a história, misturando memórias sentimentais e pueris com fatos críticos quando uma aparente conspiração buscava uma solução final para os judeus americanos, o que Philip materializou dentro do universo da Summit Avenue, em Newark, Nova Jersey, endereço real onde o escritor viveu quando criança.
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O livro inteiro, uma espécie de diário de recordações do próprio Roth, devaneios nessa sociedade marcada pela desconfiança, pela abrupta falta de segurança entre os judeus americanos criada e alimentada por Lindbergh e sua trupe, cujos atos, disfarçados de programas de "recolonização" na verdade visavam espalhar as famílias judaicas que, uma vez separadas e isolada, estariam mais vulneráveis à intolerância e perseguição aos judeus que em tese seriam opositores do "capacho" de Hitler.
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O livro é brilhante. Ri à beça com as puerilidades do menino Roth, a cujos medos e impressões, desde fantasmas nebulosos aprisionados no porão de sua casa até objetos que, uma vez na penumbra das madrugadas ganhariam vida e aterrorizariam o pequeno Philip, aos parentes e vizinhos singulares que moldaram a infância do caçula Roth, criam um contraste curioso diante da tragédia anunciada por uma possível solução final americana, justamente num país que havia abraçado a comunidade semita. Ver seu irmão mais velho, Sandy, se aliar a Lindbergh, ao mesmo que o primo Alvin, um jovem herói da guerra contra Hitler, onde perde a perna, o medo de seus pais de verem aquele ambiente perfeito onde criar os filhos de repente ser tomado pelo pavor de um pogrom, são alguns dos dilemas levantados pelo livro, que leva o clima de conspiração aos limites quando uma inesperada reviravolta torna o romance ainda mais complexo e fascinante.
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Complô contra a América definitivamente é daqueles livros simplesmente perfeitos!
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Luis 01/02/2020

O Pesadelo Americano
Não faz muito tempo, as casas de apostas fervilhavam a cada mês de outubro com a expectativa sobre a indicação do Prêmio Nobel de Literatura. Um dos nomes mais incensados seria sempre o do Philip Roth, um dos últimos cânones da Literatura americana do Pós Guerra, ao lado de Updike, Mailer e , na minha opinião, Tom Wolfe, para ficarmos só nos mais batidos. Infelizmente., assim como para os demais citados, a morte chegou antes do Nobel para Roth, aos 85 anos, e m 22 de maio de 2019
Confesso que até então, apesar de conhecer a sua importância, nunca tinha me aventurado em sua obra, mas, com a enxurrada de artigos e matérias por ocasião de seu falecimento, o instinto de leitor falou mais alto aliado a uma providencial citação em outra obra seminal.
No final de agosto, lia o fundamental ?Como as Democracias Morrem?, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Zahar, 2018). Lá pelas tantas, os autores ilustram as suas teorias (que se aplicam com propriedade a muitos cases atuais) evocando a ficção histórica de Roth em ?Complô contra a América? (Companhia das Letras, 2004). Roth já estava na minha lista, Ziblatt e Levitsky deram o estopim para lê-lo em seguida.
A premissa parte de uma tese perturbadora : ?E se a maior Democracia do mundo sucumbisse ao Nazismo por meio de uma eleição ?? Roth brinca de reescrever a história, ao criar a (quase) hipotética candidatura do aviador Charles Lindberg à Presidência Americana em 1940, desafiando Roosevelt. Enquanto o Presidente segue tentando minar a política de não intervenção dos EUA na Guerra, o ultra popular Lindberg, que foi inclusive condecorado pelo Reich, segue martelando na tecla do isolacionismo ianque, postura que pesaria o prato da balança para o lado Alemão.
Os acontecimentos históricos são contextualizados e vistos sob a ótica de uma típica família americana judia, assumida como álter ego do autor, e, não por acaso, de nome Roth. O pai, um velho caixeiro, a esposa e os dois filhos, o mais nome se chama Philip, personificam a polaridade do país mediante duas visões tão distintas de um momento culminante do século XX.
Para desgosto do pai, ferrenho defensor do Presidente, Lindberg é eleito e começa uma política ?neutra? em relação aos acontecimentos do front na Europa. Ao mesmo tempo, um, a princípio sutil, sentimento anti semita, se espalha como gás venenoso pelo cotidiano da família. O pai, junto com outros vizinhos judeus, é ?convocado? para uma transferência de Nova York para o interior do país, uma espécie velada de campo de concentração. Não aceita e é obrigado a pedir demissão. Em outra passagem, quando reúne a família para um passeio de carro à capital, são expulsos de um hotel já pago, sob a alegação de falta de vagas...O drama se mostra ainda mais encorpado, pois há uma divisão no seio da própria comunidade judaica, já que alguns membros, incitados pelo influente Rabino Lionel Bengelsdorf, marido da tia de Philip, Evelyn, não só não viam Lindberg como uma ameaça, como ainda o apoiavam categoricamente. Sandy, o primogênito, fica seduzido por essa pregação e, a despeito da oposição de seu pai, se alista em uma espécie de ?Juventude Fascista? americana, inclusive se tornando um dos membros mais proeminentes.
Roth conjectura em detalhes como seria essa espécie de metástase silenciosa da sociedade americana, corroída por dentro de forma imperceptível, ironicamente com o uso de seus valores mais caros. Tradução ficcional perfeita para o arcabouço teórico de ?Como as Democracias Morrem?.
Impressiona como a fantasia é verossímil. O Lindberg real, de fato, flertou insistentemente com o Nazismo e chegou a se mobilizar para uma pré candidatura que não foi à frente. Roosevelt venceu a eleição de 1940 (e venceria ainda a de 1944) e, de quebra, ajudou a ganhar a Guerra. ?Complô contra a América? não tem o mesmo final ?feliz? (ainda que tenha ganho o lado certo, dá para falar em final feliz tratando-se de algo tão brutal?) da realidade.
Na verdade, não chega exatamente a ter um final. Simplesmente acaba, abruptamente, tal como um pesadelo gerado no ventre da terra dos ?sonhos?.
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Rodrigo de Lorenzi 20/03/2020

A realidade da ficção
Meu primeiro contato Phillip Roth e fiquei bastante impressionado. A escrita é pesada e detalhista, mas não fica chato. Roth alterna momentos de tensão e humor sem que um quebre o ritmo do outro. Sobre a história: é triste, muito triste conseguir conectar paralelos com o Brasil e os próprios EUA. Como todo mundo já está careca de saber, caso tenhamos um novo golpe ou regime totalitário, esse será feito "democraticamente" pelas mãos do povo, que não sabe o buraco que está enfiando ao eleger demagogos e autoritários. Ótimo livro e agora quero ver a série da HBO. Só não dei 5 estrelas porque poderia ter umas 50 páginas a menos.
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Josimar.Nunes 03/05/2020

Realidade Alternativa
Nessa obra, o autor descreve uma realidade nos anos da Segunda Guerra mundial, onde os EUA trocam de presidente (simpatizante dos alemães) e não entram na guerra e uma onda antissemita varrem o país (onde os judeus viviam prosperamente) gerando uma ameaça aos judeus americanos.
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m_mesquita 20/06/2020

Os sinais de alerta
Uma leitura indispensável para os dias de hoje, mesmo estando ambientado em outra época (década de 1940, no Estados Unidos). Ainda assim, Roth é muito talentoso em trazer esse cenário de instabilidade e de horror social. O livro mostra como os ataques à democracia e aos direitos vão sendo realizados de modo lento, com pequenas ações. Ainda que para a grande maioria possa ocorrer de forma desapercebida, o discurso de ódio e as restrições de direitos às minorias (sejam judeus, indígenas, negros, mulheres, imigrantes), mesmo quando todo o resto parece normal, são os primeiros sinais de alerta de governos que não pretendem respeitar nenhum limite. Suas primeiras manifestações, inofensivas para muitos, são como um sonar que lançam para medir até onde podem ir.
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Andre.28 07/07/2020

Ficção Histórica Sobre Nazifascismo Nos EUA
Coloquei a resenha no meu blog (link abaixo)

https://osmoseliteraria.blogspot.com/2020/07/ficcao-historica-sobre-nazifascismo-nos.html?m=1
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Lareska Rocha 20/07/2020

Melhor livro de Philip Roth que li
Ano passado eu li "Pastoral Americana" e logo de cara me encantei pela escrita e pelos personagens tão bem construídos de Roth. A partir daí, eu sabia que iria atrás de outros livros dele e, sem dúvidas, foi uma previsão acertada, pois ele conseguiu subir o sarrafo ainda mais com a expectativa de leitura proporcionada por "Complô contra a América".

Alguns dizem que os grandes escritores são os que estão à frente de seu tempo, os famigerados "visionários". Ao invés disso, eu sempre tive a opinião de que os meus escritores preferidos são aqueles que conseguiram enxergar eventos e sentimentos que já estão acontecendo no presente, mas que ainda não foram percebidos pelos outros, ou que são dificílimos de serem expostos verbalmente, e é exatamente o que o ocorre nesse livro. Se em 2004, quando foi lançada, a obra já parecia estar em total consonância com os tempos da guerra do Iraque, hoje, com pessoas muito reacionárias no poder, o livro ganha ainda mais relevância.

Sua leitura é uma ótima forma de reflexão sobre a tendência que a história tem de se repetir (se não em termos específicos, ao menos em termos gerais), e é justamente por isso que a humanidade deveria aprender com os erros do passado para não incorrer neles novamente. Em suma: vale cada minuto de leitura!
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Andrea.Salles 01/08/2020

História de uma família judia que vê a vida mudando por conta de um presidente americano "nazista" que sobe ao poder.
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Jonathan.Queiroz 09/04/2021

Assustador mesmo sem ser um livro de terror
Essa leitura foi muitíssimo interessante de fazer no ano de 2021, levando em consideração a situação política do Brasil e a eleição ocorrida em 2018. Ao ler sobre a escalada ao topo do Lindberg é impossível não traçar diversos paralelos com a subida ao poder do Trump e do Bolsonaro (e olhe que esse livro foi publicado em 2004!). Em vários momentos pude me relacionar com a angústia dos personagens a cada novo passo do presidente, pois esse é um sentimento que também experimentei muitas vezes nos últimos 2-3 anos com a administração do atual presidente. Aquele receio de que a qualquer momento a situação pode sair do controle e o seu pior pesadelo se tornar realidade... A jornada dos judeus nesse livro pode muito bem ser imaginada por pessoas de outros grupos minoritários, mas não tanto pelo desenrolar da trama, e sim pela jornada "sentimental" dos personagens. Eu mesmo consegui me relacionar tanto com o pai quanto com o primo do Philip, mas a mãe é quem realmente se destaca quando a merda é jogada no ventilador. Enfim, é uma leitura recomendo a todos. Este é o segundo livro de Philip Roth que leio e confesso que o achei bem melhor que o Teatro de Sabbath e, digo mais, acredito que este é um grande candidato a livro do ano para mim.
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