Vitória 12/09/2023
Depois de mais de 10 anos do meu primeiro contato com o Patrick Ness e da primeira vez em que li Mundo em Caos, que naquela época sequer se chamava assim, eu finalmente voltei a esse mundo pra concluir de uma vez por todas essa trilogia. Eu tenho uma longa história com esses livros. Sei que o grande propagador do autor e da trilogia aqui foi o Geefe, mas eu não conheci isso aqui por meio dele. Uma querida chamada Mariana Gastal, do canal Respira, Mariana, que sequer existe mais, foi a primeira booktuber que eu descobri lá pelos anos de 2011, e que me influenciou a ler muita coisa, inclusive isso aqui, na época em que o autor não era estouradinho no Brasil e que as edições da Pandorga podiam ser encontradas na saraiva sendo vendidas a míseros 10 reais. Aliás, o hype desses livros no Brasil foi o motivo pra que eu nunca conseguisse terminar a série. Meu ritmo de leitura naquele tempo era mais lento tanto porque eu tinha menos tempo pra ler mesmo, como porque, já que eu não trabalhava, não tinha o meu próprio dinheiro e não era de uma família de condição financeira boa, eu dependia dos meus pais pra comprar os livros pra mim. Depois que eles viraram modinha por aqui, os preços subiram demais, e eu nunca consegui terminar a trilogia, mas agora chegou a hora.
Como a minha primeira leitura aconteceu há muito tempo, eu confesso que não lembrava de quase nada, mas o que eu lembrava ainda estava bem vívido dentro da minha cabeça. Por algum motivo eu pensava nessa série mais como sendo uma fantasia do que uma ficção científica, mas na verdade é uma ficção científica total. O mundo que o Patrick Ness é estranho e provoca um desconforto que nunca passa completamente, mas acho que isso foi algo proposital do autor, porque nenhum dos protagonistas está confortável na posição que eles foram obrigados a assumir. O Todd, enquanto morador de Prentisstown, tem uma certa visão de mundo, que decorre das coisas que os homens dentro daquele círculo contaram pra ele. Essas concepções, no entanto, vão sendo quebradas a cada capítulo a partir do momento em que ele deixa a cidade e começa a procurar algo que ele sequer sabe o que é junto com a Viola. O mais interessante aqui é que o leitor embarca nessa jornada com o Todd e vai quebrando a cara junto com ele, porque, apesar de ser agora uma Vitória 10 anos mais velha do que o personagem, que consegue captar detalhes que passam despercebidos por ele, aquele mundo ainda era estranho pra mim, e tudo o que eu sabia sobre ele vinha do Todd.
Todas as criaturas não humanas aqui são muito interessantes, ainda que eu tenha a lembrança de que algumas delas vão aparecer um pouco mais no segundo volume, e ainda que sejam um modelo óbvio do gênero, visto que são ETs, a personalidade deles foge do comum, uma vez que, pelo menos aqui, eles não assumem os papéis de vilões, esses postos, na verdade, são ocupados pelos próprios humanos. O modelo de organização da sociedade e de cada povoado desse mundo é muito diferente daquilo que conhecemos na realidade, e ter colocado tudo isso num planeta novo foi uma sacada genial do autor, porque ele não precisa criar uma narrativa de como nem porquê tudo deu errado aqui e chegou a isso. O lado de Prentisstown me deixou muito mais assustada agora porque eu consigo perceber, aos 23 anos, como tudo deu errado nesse lugar por causa de homens extremamente machistas que conseguiram doutrinar os outros com as suas ideias preconceituosas e absurdas. A gente já sabe em quem essa galera votaria no Brasil de 2022. Achei importante nesse ponto que, no momento em que o Ben tem a conversa reveladora com o Todd, ele não tenta se abster da culpa do que aconteceu na cidade por ter ideias diferentes daqueles homens, uma vez que ele se manteve parado vendo tudo aquilo acontecer e foi conivente.
Já exaltei demais o mundo construído aqui, mas o ponto forte do Patrick Ness é sem sombra de dúvidas os personagens. Foi com isso que ele me ganhou em 2013, e foi com isso que ele me conquistou agora em 2023. O Todd é um garoto de 13 anos (ou 14, se você levar em conta os anos com 12 meses) que é verdadeiro demais com a sua idade e com a cabeça que um garoto tem a esse ponto. Ele faz birra, ele bate o pé no chão porque as coisas não aconteceram do jeito que ele quis, ele fica emburrado com a Viola pelos motivos mais idiotas do mundo e, acima de tudo, ele sente raiva, porque não é justo que tudo aquilo esteja acontecendo justamente com ele. O melhor de tudo é que, mesmo ele sendo insuportável por grande parte do tempo, eu me apeguei muito fácil a ele. Queria guardar o Todd num potinho e proteger de tudo, e entendia até os sentimentos mais incompreensíveis dele, porque eu lembro como é ter essa idade. Porém, o mais incrível pra mim é o que o autor faz com a Viola. Ela é descrita pelo Todd durante o livro quase inteiro como um buraco no ruído, um grande silêncio, e foi assim como eu a vi também, porque a querida se recusava a falar uma palavra sequer. Mesmo assim, ele me fez entender a personagem, e assim como o Todd, eu conseguia adivinhar o que ela estava sentindo e o que ela diria em vários momentos sem que uma palavra fosse necessária, só pela descrição do rosto e da postura corporal dela. A kinga é de longe a minha personagem favorita da série inteira, tanto que a cena que eu me recordava com mais clareza era dela sendo afogada. Não lembro mais do contexto em que isso acontece, mas ela não veio nesse volume, então aguardo muitas lágrimas e revolta da minha parte no livro dois. O conto extra no final dessa edição pelo ponto de vista da Viola, narrando o tempo que ela passou dentro da nave e como os pais dela morreram só me fez amá-la ainda mais. Manchee é outro espetáculo. O autor consegue fazer um personagem incrível ser um cachorro que fala basicamente três palavras durante o livro inteiro, isso não é pra qualquer um. Ainda não aceito que ele morreu.
Na primeira vez em que eu li esse livro ganhou 5 estrelas e um coraçãozinho de favorito. Agora ele só vai levar 4. Acho que com a bagagem de leitora que eu possuo agora, que é consideravelmente maior do que a que eu tinha aos meus 13 anos, eu consigo perceber problemas na narrativa que antes me passavam batidos. A escrita do autor é ótima e muito fluida, mas o apoio que ele usa de sempre estar acontecendo algo com os protagonistas, e desse algo ser quase sempre a mesma coisa, acaba se tornando cansativo conforme o livro vai se aproximando do seu fim. Existe um cara, que agora eu nem vou me lembrar mais do nome dele, que persegue esses dois desde o primeiro capítulo. Por diversas vezes eles tem embates físicos, os quais o Todd e a Viola vencem, e o cara sai completamente estraçalhado, mas ele não morre por nada. Na cena da cachoeira eu já não conseguia acreditar que, depois de tudo o que aconteceu, ele ainda conseguia estar vivo e ser mais rápido do que os meninos. Se o autor continuasse com os cliffhangers ao final de cada capítulo, mas tivesse inserido plots diferentes, e matado esse cara na metade da história, talvez as 5 estrelas tivessem vindo aí. Lembro que 10 anos atrás o segundo livro era muito superior ao primeiro pra mim, então estou ansiosa pra ver o que vai acontecer. Mês que vem eu volto.