Arsenio Meira 02/06/2014
“Nem tudo foi dito e nunca será”.
Não há como estender-me. Farei uma força grande para ser conciso.
Os dois breves contos de Samuel Beckett, que intitulam o livro, cuja extensão efetivamente contém apenas, para desgosto de quem gostou da obra, aproximadamente 70 páginas (as demais páginas são preenchidas pela cronologia e um excelente prefácio do tradutor Fábio de Souza Andrade) perturbam porque deles nascem uma concreta sensação de que o espaço imaginário existe tão somente como laboratório da morte , seja individual e/ou coletiva. O conto "O despovoador" é uma ode à distopia. Beckett reanimou o eco das larvas vulcânicas que assombraram Dante. E "Mal Visto Mal Dito", mata a linguagem convencional e abre uma janela para a clausura da personagem. Só que a janela é aberta sob os olhares da marcha fúnebre, rs. E música olha para alguém? Para Beckett, olha sim. Vai ver que olha mesmo.
O ingrediente seminal, que resume o livro e une os dois contos, é a ideal de que Beckett jorra luz sobre um palco repleto de sombras. O sujeito aqui tem algo de primitivo, anterior ao discursivo, ao exercício intelectual. Ao tecer a consciência dessa vida puramente corpórea, o grande escritor Irlandês, autor de "Novelas" e "Molloy" dentre outras obras que figuram na panteão do cânone universal, revela a fratura (exposta) que existe entre palavras e coisas, linguagem e mundo. Não deixa de ser triste ou amargo. Nem todos os muros ruíram, afinal. Ao menos dentro de milhares, milhões de pessoas, ainda que sejam muros invisíveis, eles permanecem intocáveis.