Julia 09/12/2019A liberdade de MasakoShe gave a small moan - she couldn't help it - wishing she could see him one more time. She would go to Kabuki-cho to breathe the air he'd breathed, see the things he'd seen. Maybe she would find another man like him, and pursue his dream? The hope that she had lost began to stir in her again. [...] She stopped after only a few paces, startled by the noise, and turned back to the window. For a moment, the world outside seemed filled with the darkness of the abandoned factory.
No, she wouldn't go. She couldn't live her life as someone's prisoner, the way he had lived his, caught up in a dream of the past, with no way forward and no way back, forced to dig down inside oneself.
[...] What had it all meant? In the end, she was no more and no less than the reality of all those years, with the marks they left on her. And, unlike Satake, she had faced everything reality had brought her way. His ideas of freedom had been different from hers.
[...] She would go on and buy an airplane ticket. The freedom she was seeking was her own, not Satake's, or Yayoi's, or Yoshie's, and she was sure it must be out there somewhere. If one more door had closed behind her, she had no choice but to find a new one to open. The elevator moaned like the wind as it came to meet her.
O caráter de Masako causou uma impressão ainda mais forte em mim dessa segunda vez que li Out. Ela era mais forte porque, diferente de Yayoi, Kuniko, Jumonji e Yoshie, tinha coragem e clareza mental para entender os fatos com perspicácia, racionalidade, sangue frio e sensibilidade. Foi por isso também que venceu Satake, porque conseguia, até na mais extrema das situações, ter a tranquilidade mental para se colocar no lugar do outro e entender a realidade como a realidade é. Ela era a única desprovida desse egoísmo e arrogância, o que não quer dizer ser necessariamente altruísta, mas lúcida e inteligente o bastante para se desprender de seus problemas, preconceitos e proteções e analisar as coisas pelos olhos dos outros.
Gostei mais do título em português do que do original. Porque "Out" passa a ideia de que há um lado de fora, exterior ao mundo regrado das donas de casa. No entanto, o livro fala o tempo todo de que Masako e suas colegas passaram para "um outro lado", um outro lado do qual não tem volta. Essa volta seria impossível porque passaram para esse outro lado, antes de tudo, mentalmente. Foi essa passagem que levou Masako a ajudar Yayoi. Foi uma passagem discreta, a vida das quatro operárias não passou por nenhuma mudança radical logo antes do assassinato/desmembramento e logo depois. Mas uma mudança interior incomensurável já estava em andamento, o que levou inexoravelmente a todas as outras consequências: enganar a polícia, o negócio de ocultação de cadáveres, a negação contínua da culpa de Yayoi, o assassinato da sogra de Yoshie, a batalha entre Satake e Masako. Essa mudança de lugar, invisível porém inegável, me lembrou muito a mágica sutil das histórias de Haruki Murakami, como em Kino, Caçando Carneiros, Dance Dance Dance, Sono e 1Q84, e do filme "Sonhos" de Akira Kurosawa. Parece Morgana caminhando até Avalon e por um passo falso imperceptível acaba presa por anos no mundo das fadas, que tangencia o mundo real por dobras no espaço em que um desprevenido pode se perder. Me lembrou aqueles sonhos lúcidos em sei que é tudo irreal, mas consigo voar se não duvidar nem por um segundo da minha capacidade, nem perder a fé na mágica, senão dou um passo falso de volta para o outro lado.
Masako dá um passo para o lado e entra num outro mundo, num outro self antes completamente enterrado no subterrâneo mais escuro do seu inconsciente e no submundo mais sujo da sua sociedade, com os quais tinha um contato apenas tangencial. Ela consegue sobreviver invicta nesse mundo, diferente de Yayoi, Kuniko e Jumonji. Ela talvez tenha o sangue mais frio da literatura, sem perder a verossimilhança, pois sim tem medo também e comete erros, mas consegue olhar fundo no olho do medo e mais uma vez atravessar até o outro lado, sem ser tragada por ele, como Satake.
Olha fundo no olho do medo, tão fundo que atravessa não só o medo da morte, na luta contra Satake, mas também o medo do fracasso, ao não fugir da aceitação da injustiça que passou nos 22 anos na financeira, no turno da noite, no desmoronamento de sua família. Na história da sua vida. Ela não foge da dura realidade, e assim consegue se sobrepor à realidade - ao contrário do que aconteceria se fugisse das frustrações, pois ficaria presa como um rato cego numa armadilha.
Assim consegue se desprender da lembrança de Satake, e ter a coragem de buscar para si algo que não é a liberdade sonhada por ele, ou por Yayoi, Yoshie ou seu marido. Algo inteiramente dela, sem a forma das expectativas dos outros, e que ela, por definição, também não pode conhecer. E não há nada mais aterrador e mais libertador do que isso.