hafronita 09/02/2024
Entre traições e assédios, por debaixo dos panos desse livro
Com ares fantasmagóricos de um passado secular tão distante, o autor consegue introduzir uma presença enraizada de dias atuais em uma obra tão antiga. Começando a trama, percebemos um ambiente hostil, com muita sagacidade ao entorno, com pessoas que estariam a ajudar o estudante do primeiro ano de medicina, Amâncio, a se estabilizar no Rio de Janeiro. A partir daí, Amâncio, com suas vinte primaveras, deslumbra-se-ia com os ares da capital do Brasil, na época, relembrando de como era em sua província. Dono de si, com a juventude à flor da pele, Amâncio não escapava de amores de uma noite, uma mentira sutil e toques forçados.
Após um encontro com amigos, onde os sabores alcoólicos dançaram em seu paladar como estrelas em uma noite escura, Amâncio se vê imerso numa acolhida sombria, iniciando sua jornada numa casa de pensão. A partir disso, o contexto da época, marcado por uma hierarquia social e racial, demonstra como Amâncio, um provinciano bem-sucedido, se contrapõe com histórias tão mal-vividas.
A juventude bate à porta dos pensamentos em sombras, onde a névoa do interesse financeiro paira mais densa do que a necessidade vital de autodescoberta. Todos em torno do jovem pobre fixavam-se em seus bolsos repletos de mil-réis, ignorando sua ânsia por reconhecimento genuíno. O autor traça uma conexão entre suas ações e alegorias do passado: Amâncio é um traidor por ter sido relegado ao esquecimento e se refugiar nas ruas; ele é um benfeitor devido à astúcia que desenvolveu nessas mesmas vielas; ele não confia por causa das relações tumultuadas com seu pai ? por muito tempo, teve que ocultar sua verdadeira essência para se adequar à imagem de um filho viril aos olhos do velho Vasconcelos.
Vivenciando seus meses em uma casa de pensão luxuosa, o enredo continua sendo o mesmo: Amâncio arcava com despesas e era rodeado de carícias, tudo em prol de um plano promovido pela dona da casa e seu marido. Dando mais ênfase na sinopse, arcamos com a ideia de acompanhar, em um narrador-personagem-observador, um crime no Rio de Janeiro. A história se encaminha a dar margens a um adultério.
Aluísio de Azevedo soube estruturar muito bem, em mais de 300 páginas, um ápice e um plost-twist muito bem arquitetado. Não apenas em relação à dúvida de ?qual crime?, mas também a de ?como se deu o crime?. Não apenas do crime, como também o leitor começa a se questionar pelos valores tracejados e escancarados na obra: a questão do machismo, da escravidão, do conceito de pátria, do laço matrimonial, as relações com as famílias e, além, de como você se enxerga na sociedade. O último tópico vem junto da cobrança em excesso de posicionamento e busca de uma família com herança, negócios bem fluídos e de um casamento apenas com alguém que tenha dinheiro; Amâncio era o protagonista certo na vida de todos aqueles que encontrou ao longo de seu ano no Rio de Janeiro.
Termina-se o livro com questões sociais levantadas a questão da pobreza, da mentira, do próprio crime recém-mencionado e sobre o romance. É elencado como jovens preferem a vida do desapego, como homens descartam essa vida por uma boa mulher que cuide da casa e das crianças, assim como se é planejado um arco memorialista: as suas relações refletem aquilo que você é ou aquilo que você acha que é? Aprende-se muito com Amâncio, também há de se odiá-lo, como também é uma obra de 1884 que não saiu dos anzóis do século XXI.