Marlo R. R. López 30/12/2019Passe longe da sinopse da AlfaguaraUm livro sobre o cotidiano de um punhado de personagens - homens e mulheres - que vivem parcialmente isolados do continente em um mini-arquipélago na costa do estado do Maine, nos EUA, vivendo sua vida árdua baseada na pesca individual de lagostas em duas ilhas que se entendem como rivais nesse trabalho.
Achei o livro excelente, e fiquei surpreso com o número alto de resenhas negativas aqui. Mas acho que isso se deve em grande parte à sinopse para lá de imprecisa dessa edição da Alfaguara, que pode ter levado alguns leitores a não saber direito onde estavam se metendo.
É um erro achar que esse livro trata exclusivamente de uma garota chamada Ruth Thomas e sua "revolução" que vai mudar a vida em Fort Niles Island e Courne Haven Island, mas é isso o que a sinopse da editora promete; isso e uma suposta "história de amor", o que não poderia ser mais enganoso. Não, a obra não segue esse caminho batido. Ruth Thomas, embora seja a personagem principal, faz parte de um conjunto bastante amplo de personagens tão ou até mesmo mais interessantes que ela, e é a história desse conjunto que faz o livro ser belo, vivo e maduro. Se eu não estiver enganado, há um capítulo inteiro em que Ruth nem aparece, por exemplo. Porque é a história do desenvolvimento das ilhas, de suas crenças, seus costumes e cotidianos, e de personagens-chave nesse cenário, o que realmente faz a obra ganhar corpo.
Elizabeth Gilbert tem uma grande noção do espaço narrativo, e por isso os elementos da história são inseridos e apresentados em momentos estratégicos ao longo do livro, mas sem parecerem forçados - dentro de um ritmo estabelecido sabiamente. E assim a trama vai avançando, aos poucos, com uma cadência que eu achei particularmente um deleite.
A autora sabe transmitir as paisagens do lugar e o ritmo moroso da vida nas ilhas com precisão - em certos momentos eu quase podia sentir o gosto de água salgada na boca e o cheiro de maresia no ar, tamanha é a sua habilidade geral de descrição do cenário em que o romance se passa; além disso, o desenvolvimento lento da narrativa parece combinar com o dia-a-dia de um povo que vive uma vida cíclica, estagnada, devagar.
Enfim, minha sugestão para quem estiver interessado é: esqueça a sinopse que consta nessa edição do livro (até porque ela traz um baita spoiler de algo que é revelado apenas no epílogo - isso mesmo, no EPÍLOGO... é mole?) e consulte rapidamente algumas resenhas pela internet. Se continuar interessado, vá fundo. A chance de se decepcionar é mínima.
P.S.: É um bom livro para se ler na praia.