Aline 29/08/2016Um vilão carismáticoEm Ricardo III, Shakespeare retrata o fim da Guerra das Rosas (conflito entre as Casas de York e Lancaster pelo trono inglês), assim como a ascensão e a queda do último dos reis Plantageneta, criando um vilão sem pudores, sem culpa, mas com um estranho apelo ao público.
Logo no início da peça, Ricardo, então duque de Gloucester já deixa claro para o público suas intenções de conseguir a coroa da Inglaterra e para tanto vai tirando do caminho qualquer um que possa se interpor, como seu irmão Jorge, duque de Clarence.
” E assim, já que não posso ser amante que goze estes dias de práticas suaves, estou decidido a ser ruim vilão e odiar os prazeres vazios destes dias […]
Armei conjuras, tramas perigosas, por entre sonhos, acusações e ébrias profecias, para lançar meu irmão Clarence e o Rei um contra o outro, num ódio mortífero […]”
Ricardo III, Ato I, cena I.
Com a morte do rei Eduardo IV, seu filho (também Eduardo) deve ascender ao trono, mas por ainda ser criança, ele deve ser guiado por conselheiros mais velhos. É então que vemos todas as intrigas de uma corte, quando se formam facções entre os tios maternos do garoto e seu tio Ricardo e seus partidários para tomar conta do jovem príncipe.
Essa é uma peça bastante difícil de resenhar, pois ela é extensa e conta com vários personagens e núcleos distintos. Basta dizer que Ricardo elimina todos para chegar ao poder e se declara rei da Inglaterra. Na História, os dois príncipes filhos de Eduardo IV (portanto os legítimos herdeiros do trono) desaparecem misteriosamente da torre de Londres e até hoje só se especula sobre o que aconteceu com eles. Na peça, Shakespeare faz Ricardo mandar matar os dois sobrinhos e assim entrar para o imaginário popular como um dos mais perversos reis ingleses.
Ricardo é um vilão um tanto quanto caricato. Ele está sempre cercado de comparsas para executarem seus crimes, e se mostra muito manipulador, sempre conseguindo com que as pessoas ao seu redor concordem com o que ele deseje. Além disso, sua interação com o público criam uma ligação com o personagem, algo que me lembrou bastante o Iago de Otelo (essa peça viria bem mais tarde na carreira do bardo).
Ricardo III é repleta de personagens! Tanto que muitas vezes eu nem lembrava quem era partidário de quem. Mas aquelas que mais me chamaram atenção foram as mulheres. Margareth, viúva do antigo rei Henrique VI, aparece para esbravejar e jogar maldições contra todos os que tiveram alguma ligação com sua tragédia. A duquesa, mãe dos irmãos de York, mostra que sempre viu a maldade existente no filho Ricardo, mesmo enquanto ele conseguia enganar a todos. E a rainha Elizabeth, viúva de Eduardo IV, participa de minha cena preferida da peça. Um diálogo em que Ricardo tenta convencê-la a que ele case com sua filha e tenta justificar seus crimes, aos quais Elizabeth rebate um por um. Foi essa cena que me deixou morrendo de vontade de assistir alguma adaptação da peça.
Apesar dessa obra ter uma linguagem mais fácil do que as outras peças históricas, recomendo que leia quem tiver um conhecimento sobre a Guerra das Rosas e quem é quem na história e/ou já tiver lido as três peças de Henrique VI. São muitos Ricardos, Eduardos e Henriques, o que pode frustrar quem pegar essa peça em particular sem ter um conhecimento prévio.
Vi em outras resenhas que essa é uma peça de Shakespeare considerada imatura, afinal ela foi escrita durante a fase de aprendizado do dramaturgo. Mas eu consegui me divertir. Tem intrigas políticas, maldições, diálogos interessantes e retrata um dos meus períodos favoritos da história inglesa.
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