Nelson 20/05/2017
Um vento que não para de soprar
Quando peguei esse livro pela primeira vez, me perguntei se a obra iria ou não fazer alguma diferença para o universo criado nos sete volumes de A Torre Negra. E a resposta é não. Dessa forma, tanto faz se você já terminou de ler a coleção, ou se encaixar a leitura entre os volumes que se passa a história de O Vento Pela Fechadura.
Sem acrescentar algo de imprescindível a compreensão da jornada a Torre Negra, o livro é um grande flashback com o diferencial de contar uma história dentro outra história. Uma fábula (não no sentido literal) contada as crianças antes de adormecerem. Enquanto no flashback temos novamente Roland e mais um de seus antigos companheiros de armas ainda jovens, a fábula nos apresenta um personagem ainda mais novo, praticamente uma criança. Sempre considerei Stephen King um bom criador de histórias com personagens dessa faixa etária, pois ele sabe explorar muito bem a "magia" que existe nessa época da vida.
Então, dividido em duas histórias, o livro faz uma grande pausa no flashback de Roland para introduzir a fábula, que se revela estar longe do que esperamos contar a crianças, pois sua ambientação é bastante sombria, além de ser tão detalhada que passa longe do tipo de narrativa que uma criança costuma ouvir antes de dormir. Os personagens se integram ao universo mítico (ou não) da Torre Negra, mas isso pouco acrescenta além de um ou dois nomes importantes envolvidos nas histórias sobre o Eld, a Torre e ao Rei Rubro. Tim, o protagonista da fábula é mais uma criança realizando feitos impossíveis para alguém de sua idade num universo mágico onde a tecnologia caiu em esquecimento. Ou seja, mesmo os "fatos" tendo ocorrido em um tempo anterior ao "avô de seu avô", o mundo é exatamente igual ao do início da jornada de Roland como pistoleiro, ou seja, antes da queda de Gilead.
As duas histórias são unidas pela Borrasca, um tipo de tempestade do Mundo Médio, e por personagens bastante jovens. A pausa que é feita no flashback de Roland, consome metade das páginas do livro. Pessoalmente não achei que fosse necessário estender a história do Pequeno Tim Ross a tantas palavras, pois ela é bastante previsível no quesito "o que acontecerá a seguir?" e principalmente em seu final. Mas a retomada do flashback de Roland logo após isso, é incrivelmente sutil. Isso nos faz voltar com calma a história do Trocapele.
O Trocapele não é nenhuma invenção original de Stephen King, mas sua origem é interessante e envolta de um mistério, que assim como muitas coisas em A Torre Negra, fica sem respostas. O final dado aos acontecimentos com o Trocapele é bastante rápido, confesso que esperava mais ação nessa parte. E por fim, temos um elemento sobre o passado familiar de Roland, mas que não altera em nada a compreensão da série A Torre Negra, apenas contempla os sentimentos de um jovem pistoleiro. Mas a essa altura, Roland já está bem desenvolvido depois de sete livros, principalmente no quarto volume, então você não saberá nada de diferente de sua história já contada.
O livro é curto, 283 páginas, o que é bom, pois a série já é extensa o suficiente para um final tão complicado de analisar. Mas no caso de O Vento Pela Fechadura, o final não é incômodo, pois diferente dos demais livros, ele não precisa criar um cliffhanger nem nada do tipo para um próximo volume. Ao menos, foi assim que encarei.
Sobre a edição, ela segue o trabalho já feito anteriormente pela Suma de Letras e Objetiva, sem nada mais a acrescentar sobre isso. Meu livro conta com apenas um defeito de impressão em uma frase, mas isso é irrelevante. Durante a fábula "O Vento Pela Fechadura", todos os parágrafos são iniciados com algumas palavras em tamanho maior. Acho que isso foi uma maneira de tentar estabelecer a sensação que temos ao ouvir/ler a frase "Era uma vez...". Não que isso fosse necessário e, pessoalmente, achei desagradável toda vez que elas apareciam com seu tamanho desigual ao resto do texto. Notei que em uma passagem a região de Gilead é descrita como "Mundo Interno". Não tenho certeza e nem irei abrir meus outros livros para pesquisar sobre isso, mas desconfio que o termo usado durante a série é "Mundo Interior". Me corrijam nos comentários caso estiver errado, mas acho que essa foi a primeira vez que o termo apareceu assim. Não sei se edições diferentes adaptaram termos dessa forma, ou se foi algum erro de revisão, ou eu que estou tendo uma memória falsa. Gordirro fez um ótimo trabalho de tradução, que junto a edição conseguiu manter o estilo de narrativa dado a série. O prefácio desse livro era uma boa oportunidade para o autor fazer o que fez nos demais: relatar sua experiência diante da coleção, principalmente agora com A Torre Negra finalizada. Entretanto, isso não acontece. E Stephen King anuncia a presença de um personagem, que não é spoiler algum dizer que se trata de Marten Broadcloak, no livro. Porém, não se iluda imaginando que ele realmente será "um sujeito que você encontrará nestas páginas", como diz o próprio autor, pois ele não passa de um comentário entre diálogos. Quanto ao posfácio, ele dá o ar da graça à linguagem superior do Mundo Médio em um pequeno e sentimental texto.
Eu teria desfrutado muito mais da leitura se ainda tivesse a mesma idade quando iniciei a série A Torre Negra. Mas com o passar dos anos, ler as obras de Stephen King tem se tornado algo que me acrescenta cada vez menos como leitor. Não que isso seja falta de qualidade literária, é apenas o conteúdo de puro entretenimento sem muita capacidade de criar reflexões, que não tem me despertado tanto interesse em suas obras. Outro ponto notável, é como certas coisas soam exaustivamente repetitivas, como o elemento da natureza mais presente no livro: o vento. É tanta repetição dessa palavra no texto, que chega a ser cansativo ler novamente que estava ventando, que o vento uivava ora agudo, ora suave, que o vento era frio, que o vento trazia poeira álcali, que o vento bagunçava o cabelo... etc. É até compreensível que ventile bastante nessa história, pois há duas Borrascas, mas o autor podia ter dosado isso de uma maneira mais agradável. Entretanto, estamos falando de Stephen King, o McDonald's da literatura. Talvez por isso e pela influência da Indústria Cultural, alguns leitores temam criticar e apontar elementos que, se fosse outro autor de nome menor ou nacional, não passaria em branco.