Fugitiva

Fugitiva Alice Munro




Resenhas - Fugitiva


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Rodrigo Arlindo 06/06/2024

Já havia lido “Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento” uns anos atrás, hoje terminei “Fugitiva” e cheguei a uma conclusão: nunca me decepcionei com a leitura de nenhum conto de Alice Munro, a dinâmica narrativa da autora é “magnética”, densamente estruturada no “curto” espaço do conto, nunca falta “fôlego” e nunca “sobram arestas a aparar” no fim dos contos, parece que a autora é uma maestra do “compasso prosódico”. E esse ritmo está sempre ligado ao processo de transformar as “batalhas internas e externas” do cotidiano dos personagens em arte escrita. Em “Fugitiva” esse ritmo narrativo alia-se ainda a uma estrutura narrativa que adorei: acompanhar episodicamente, em períodos dispersos no tempo, a vida das personagens “fugitivas”. A sequência de contos (“Ocasião”, “Daqui a pouco” e “Silêncio”) e o intrigante conto “episódico” (há uma divisão temporal em “capítulos” dentro dele) “Poderes”, retratam como ao passar dos anos as suas protagonistas, Juliet e Nancy, respectivamente, realizaram suas “fugas”: da realidade, do papel “esperado” de uma mulher numa sociedade estruturalmente patriarcalista, de si mesmas. Enfim, em todos contos de “Fugitiva” a maestria rítmica com que Munro compõe suas curtas narrativas está presente para retratar a dinâmica vital das mais diversas “fugas” que uma mulher tem de empreender na vida.
Leitorconvicto 06/06/2024minha estante
Autora que ainda não conheço, mas já ouvi boas coisas


Rodrigo Arlindo 06/06/2024minha estante
Segundo livro que li dela, excelentes contos!


Leitorconvicto 06/06/2024minha estante
Gostos de contos, mas não é fácil fisgar o leitor de primeira




Pandora 18/12/2016

Fugitiva
Gostei muito do meu primeiro contato com Alice Munro. Gostei, mas não amei por alguns pequenos detalhes: a forma abrupta com o que ela termina alguns contos me incomodou. Eu não mudaria os finais, mas sim a maneira de escrevê-los. Não é um problema de conteúdo, mas sim de forma. Talvez seja falta de costume, de ainda não identificar o estilo da autora. Também não ajudou o fato da personagem Juliet Henderson estar em três contos deste livro; eu não gostei dela. Por outro lado, Alice Munro é dotada da qualidade de transformar o cotidiano e as pessoas comuns em arte; de tornar os personagens tão críveis que são reais, palpáveis, como nossos conhecidos ou velhos amigos. Nós estamos lá, naqueles cenários, nós os conhecemos, nós nos identificamos com eles. Nós nos colocamos no lugar deles. E suas histórias, suas dúvidas, seus anseios, seus embates pessoais... em algum momento de nossas vidas já passamos por alguns deles. Ou já os vimos acontecer.

Alice expõe o ser humano e isso é maravilhoso. "Logros" me parece o conto mais sensível e foi o de que mais gostei. Eu não estava ligando muito para o destino das outras protagonistas, mas para o de Robin eu liguei. Fiquei ali vivendo aquilo com ela. Também gostei de "Poderes", embora no final tenha ficado um pouco confusa e "Silêncio", que teve o desenrolar que mais satisfez minha vontade em relação à protagonista e sua história.

Recomendo!
Carlos Patricio 18/12/2016minha estante
concordo totalmente


Pandora 18/12/2016minha estante
:)




GilbertoOrtegaJr 11/04/2015

Fugitiva – Alice Munro
Um prêmio Nobel de literatura faz milagres, autores que até então não tinham sido publicados no país, ou que já o tinham sido mas passaram despercebidos tanto pelos leitores quanto pela crítica agora são notados, muitos buscam adquirir um livro, no mínimo, do novo agraciado com o prêmio, em especial a espécie de leitor do qual faço parte, aquela que se guia pela crítica literária e aquilo que ela considera como sendo o bom livro. É este o caso da escritora canadense Alice Munro, que ganhou o Nobel em 2013, até então a escritora era pouco conhecida no Brasil e nem tão popular, apesar de seus livros merecerem o reconhecimento do público.

Em seu livros de contos Fugitiva (detalhe interessante é; Alice só escreve contos), temos oito contos, todos protagonizados por mulheres que estão as voltas com seus passados, sendo um sua maioria embates entre os passados e as personalidades destas mulheres no tempo atual. No primeiro conto que dá nome ao livro uma mulher, infeliz com seu casamento, e sobretudo com seu marido tem a chance de escapar dele.

Nos contos Acaso, Logo e Silêncio, temos a mesma protagonista, Juliet Henderson, em diferentes momentos chave da sua vida, e assim como na vida real uma escolha feita em um conto, surgira como consequência em outros, mas isso não quer dizer que sejam escolhas melodramáticas, ou que elas serão tão importantes na sua vida a ponto de após serem tomadas tudo girar somente em torno delas. Um exemplo deste efeito dominó é que em Acaso a protagonista conhece um homem, em Logo ela vai visitar os pais e vê o quanto sua relação com seus pais mudaram por consequência da escolha de ficar com ele, e finalmente em Silêncio parece que nada mais tem ligação com aquilo que aconteceu nos dois contos anteriores, mas a relação está implícita ali assim como na vida real.

No conto Paixão uma jovem chamada Grace está noiva de Maury, mas ela não demonstra estar apaixonada nem estar ligando muito, mas por um motivo bobo ela acaba passando uma tarde com o meio irmão de Maury, um médico alcoólatra, e é entre eles dois que surgirá uma atração real.

Em Ofensas a autor adota o ponto de vista de uma criança, para explorar uma mentira que foi o centro da sua vida, desde que ela nasceu e os pais decidiram que seria melhor criar uma mentira sobre o passado, em geral eu não gosto de livros narrados pelo ponto de vista de crianças, mas neste caso gostei muito pelo fato de a autora não escolher maquiar a realidade com um tom bobo ou ingênuo, não que a criança fosse um prodígio, mas ela ao menos não floreia a realidade que está envolvida.

Logros conta a história de uma jovem enfermeira que vive com sua irmã mau humorada, o único escape da vida desta jovem é em todo verão viajar a cidade ao lado da sua e ir ver uma peça de Shakespeare e em uma vez ela conhece um jovem de Montenegro por quem se apaixona, mas ao final do conto vemos que a autora brinca o acaso, para criar o final deste conto de forma simplista, ao contrário do que acontece em Poderes onde a autora usa de forma um pouco mais nítida o poder do não dito, ou daquilo que está subtendido, ao contar a história de uma moça e sua amiga Tessa que tem poderes sobrenaturais.

A Maioria dos protagonistas estão com suas vidas em suspenso, não seria isso uma das clarezas de como Munro cria contos incríveis usando acontecimentos cotidianos? pois afinal estar vivo é estar muitas vezes em suspenso até que um fato novo aconteça ou algo mude naquilo que estamos vivendo. Os cenários também são importantes em geral são cidades pequenas ou desconhecidas e o leitor muitas vezes vai adentrando nelas como quem vai conhecendo uma cidade pequena com suas particularidades e identidades geográficas e sócias.

Por último, mas não menos importante vale ressaltar; as obras de Munro são fascinantes não somente pela sua escrita elegante e astuta, mas pelo fato de elas muitas vezes parecerem transparentes, como as costuras de roupas que ficam longe da onde possamos a ver, e também por não estar “poluída” como boa parte da literatura atual se encontra, com autores que se sente impelidos a criar os personagens mais estranhos ou livros cheios de recursos, para usa-los simplesmente como suporte ao fato de não conseguirem criar tramas com simplicidade e inteligência.

site: https://lerateaexaustao.wordpress.com/2015/04/11/fugitiva-alice-munro/
Daniel 17/07/2016minha estante
Vi a adaptação do Almodovar, "Julieta", um filmaço... Deu muita vontade de reler




Amásia 20/02/2013

Ou: Quase resenhando a resenha
Como é que iria saber que estava viva?

Resenhas podem ser perigosas. Da mesma forma que podem motivar alguém a ler determinado livro, pode criar expectativas enormes que não serão correspondidas ou, o que é pior, direcionar a forma como o leitor receberá e analisará o que tem em mãos. Quando a resenha é um ensaio muito bom escrito por um escritor ainda melhor, o perigo só aumenta. Foi com essa mistura de expectativa e medo de ler Alice Munro pelos olhos de Jonathan Franzen que eu comecei Fugitiva, livro de contos de uma das canadenses mais aclamadas dentro do país e pouquíssimo conhecida fora dele.

No ensaio “De onde vem essa certeza que você mesmo não é o mal?”, Franzen defende ferrenhamente a obra de Munro como contista e analisa detalhadamente os temas abordados por ela em alguns contos, assim como o suposto motivo para o pequeno reconhecimento internacional da autora. Fui correndo descobrir do que ele estava falando, com a certeza de que um autor genial tinha todas as razões para ser também um leitor genial. Ainda assim, preciso dar os méritos à Munro por criar narrativas tão poderosas que conseguiram abarcar a minha visão carregada de Franzen e permitir que muitas outras reflexões e sensações surgissem durante a leitura. (...)

Continua em: http://amasia80.blogspot.com.br/2013/02/fugitiva-alice-munro-resenha.html
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Aguinaldo 09/12/2013

fugitiva
Sobre o encantamento que experimentei ao ler contos de Alice Munro pela primeira vez já registrei aqui, ao falar sobre "Felicidade demais". Tentarei desta vez não adjetivar muito essa curiosa (ops!) escritora. Javier Marías já nos ensinou que é a boa literatura que explica um povo e uma época (e não os documentários, os romances históricos, os filmes documentais, o realismo forçado da literatura ruim). Há uma crônica recente dele onde este argumento é apresentado. Alice Munro alcança apresentar ao leitor, claramente, sem retórica vazia ou malabarismos mentais, toda uma sociologia (de seus contemporâneos e de sua época) em poucos parágrafos. "Fugitiva" é a exemplo de "Felicidade demais" surpreendente e bom. São oito contos longos. Em todos são mulheres as protagonistas das narrativas. O controle do fluxo do tempo em suas histórias é total. Munro o acelera ou quase o congela, dependendo do efeito que espera ou precisa provocar no leitor. Há temas que se repetem: o estranhamento, a loucura silenciosa, os conflitos familiares, a velhice, o desdém discreto pela vida acadêmica, o acaso da vida e das escolhas. Três das histórias tratam de uma mesma mulher, mas se a cada vez ela desse nomes diferentes para os personagens, talvez não os associaríamos tão facilmente entre si. A estrutura destas três histórias lembra aquele conceito caro à Robert Graves, o da trindade das deusas (e das mulheres), no qual a deusa assume em fases distintas os aspectos de ninfa, mãe e anciã, subsequente e cumulativamente. Uma das histórias começa como um diário, algo secreto, pessoal, intransferível, mas depois passa a uma estrutura de tópicos, como num ensaio, como se estivéssemos (sim, nós, os leitores) assumindo o controle do diário de uma pessoa e o interpretando. Muito curioso. Nestes oito contos, bem mais que nos dez de "Felicidade demais", são quase palpáveis a violência ou antes, a crueldade, que homens e mulheres sabem viver e trocar entre si. O que ela nos oferece em suas narrativas é ouro fino. Haverá mais coisas dela por aqui, seguro que sim.
[início: 29/10/2013 - fim: 30/11/2013]
"Fugitiva", Alice Munro, tradução de Sérgio Flaksman, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2006), brochura 14x21 cm., 385 págs., ISBN: 978-85-359-0855-2 [edição original: Runaway (Toronto: McClelland & Stewart - Randon House) 2004]
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Higor 26/12/2016

Sobre sustentar a vida naquilo que pode facilmente desmoronar
Alice Munro faz parte do seleto time de autores que eu faço questão de ler toda a obra, mesmo sem precisar de um intervalo de tempo entre eles. Eu mesmo li cinco livros dela em 2016, e não me arrependo, pois, embora um conto ou outro tenha um plot parecido, eu fui fisgado a cada um, por suas coincidências e particularidades.

Fugitiva, com título e capa instigantes, passou a ser, então, objeto de desejo, ainda mais com a adaptação por Almodóvar de três dos contos presentes na coletânea: ‘Ocasião’, ‘Daqui a pouco’ e ‘Silêncio’. Adaptações de obras de Munro são comuns, mas falaremos disso em outra ocasião.

Os três contos, aliás, têm como personagem principal Juliet Henderson. No primeiro temos a protagonista visitando os pais, temerosa com as lembranças da infância que ressuscitará. O inesperado, um aparente suicídio na linha de trem, faz com que ela conheça um ex-estudante de medicina, Eric.

O segundo narra Juliet na casa dos pais, mas não é uma continuação direta de ‘Ocasião’. Aqui a encontramos ainda jovem, porém mãe de Penelope, fruto de Eric. Tudo seria tranquilo se as pessoas, inclusive os pais, não a tratassem com diferença, por ela não ter simplesmente casado com Eric. Por conta disso, passou a ser tratada como amante, uma mulher solteira, etc.

Já ‘Silêncio’ não tem ligação nenhuma com os anteriores, exceto por um único motivo: a espiritualidade da personagem, que, no conto anterior, levanta a bandeira ateísta para si e a liberdade de escolha religiosa para a filha. Vemos então a consequência de tal decisão. Tema polêmico, mas que, por conta da maneira leve com que foi abordado, fez a trilogia em um contexto geral ser incrível, reflexiva.

‘Fugitiva’ é, talvez, o único conto que não fisga o leitor, apesar de um tanto desolador. A mulher que foge do marido e se arrepende é frustrante, mas o que o torna desinteressante é o final abrupto, como que escrito de maneira apressada e sem interesse.

O melhor conto, no entanto, é ‘Peças’, onde temos Robin, que, por conta da perda de sua bolsa no banheiro do teatro, conhece Daniel, um estrangeiro que lhe faz uma proposta estranha, porém irrecusável. O que despedaça o coração do leitor é ver a vida sendo a vida, pregando uma peça na personagem. O teatro em que sua própria vida. Eu quis não ter lido o conto, ou talvez retroceder algumas páginas e fazer com que o desfecho não fosse aquele. O coração se fechou, e eu sofri imensamente.

Não posso me esquecer, claro, de ‘Ofensas’, inicialmente cansativo e confuso, mas que se mostra chocante, com a história da pequena Lauren e sua visão de mundo, não adulta, mas não infantil e inocente. Pontuada, e a evolução do conto é, basicamente, assustador.

Obtendo sucesso mais uma vez, Munro fala de maneira despretensiosa sobre mulheres que vivem o presente, mas imersas em decisões, acertadas ou não, do passado. A educação da filha, a mentira que serve de coluna para evitar a ruína da família, ou até mesmo o relacionamento sem amor. Felicidades passageiras, falsas, sustentadas em mentiras, ou em coisas frágeis e fáceis de quebrar. E que são quebrados, ou pegos no último segundo antes de se espatifar no chão.

Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:

site: leiturasedesafios.blogspot.com
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Suiany 27/02/2017

Um livro que me conquistou.
Impossível achar uma frase melhor para descrever essa experiência de leitura. Aliás, a palavra experiência resume muito bem o que tenho procurado em minha vida, seja na literatura ou em qualquer outra atividade. Também descreve muito bem o sentimento vivenciado ao ler esse livro.

Ler mais...

Ouvi sobre Alice Munro nos vários canais de literatura que acompanho na internet (perfis no instagram, canais no youtube, etc), mas – como não gosto de saber sinopses - evitei ouvir sobre o livro e acabei não reparando que não se tratava de um romance, mas de um livro de contos. Muito menos reparei que Alice, essa encantadora senhorinha canadense, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2013 escreve – exclusivamente – contos.

Confesso que se soubesse disso com antecedência talvez (muito provavelmente) eu não tivesse me interessado por essa leitura. Sinto dizer, mas invisto muito pouco do meu tempo nesse gênero literário, acho que isso se deve à algumas decepções que tive e que me desmotivaram.

Ocorre que, uma vez com o livro baixado no kindle e depois de ter ouvido tanta crítica positiva, resolvi encarar essa jornada e fui muito surpreendida, pois amei a escrita da autora num nível que eu não achei que fosse possível.

Nesse livro, Alice nos traz contos nos quais os protagonistas lidam com a temática da fuga, seja de alguma pessoa ou situação. Além disso, relacionamento são outro ponto central, ora familiar, ora amoroso, o que gera grande empatia no leitor, que consegue enxergar reflexos de sua própria vida.

Devo destacar que todos os contos são protagonizados por mulheres, o que provavelmente influenciou na empatia que senti pelas personagens... Além disso, é muito bom sentir esse tipo de representatividade, que ainda é tão precária na literatura.

Alice escreve de maneira fácil e muito envolvente. A cada conto, em poucos parágrafos já há intimidade entre o leitor e o personagem, nos envolvendo rapidamente e causando interesse no desenrolar da trama. Sem contar que a autora possui facilidade em mudar o rumo da história, descrever os acontecimentos de forma não linear, mas sem perder nossa atenção ou nos causar confusão.

Ademais, todos os finais são impactantes e não deixam a desejar em termos de desfecho. Bem pelo contrário, concluí vários desses contos parando para refletir ou comentar com alguém o que achei da história.

Enfim, espero que esse pequeno texto lhes motive a conhecer esse livro que – sem dúvida alguma – passou a ser um favorito da vida, daqueles que a gente sempre cita e adora recomendar.

OBS: Alguns contos de Alice Munro ganharam adaptações cinematográficas, como é o caso de “Ocasião”, segundo conto do livro “Fugitiva”, que no cinema foi dirigido por Almodóvar e intitulado “Julieta”. Também o livro “Ódio, amizade, namoro, amor, casamento” inspirou o filme “Longe Demais”, de 2006.

site: https://divinaleitura.wordpress.com/2017/02/17/fugitiva-de-alice-munro/
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Airechu0 06/02/2018

"Foi tudo estragado em um dia (...)"
Foi praticamente por acaso que descobri as obras de Alice Munro e que ela se tornou uma das minhas autoras favoritas. Coincidência ou não é também o acaso o grande motor de mudanças em suas histórias cujas premissas aparentemente prosaicas e banais escondem uma densidade narrativa, psicológica e emocional duma contundência e agudez notáveis, das quais não se sai de modo algum ileso. Alice Munro é uma contista canadense que ganhou notoriedade mundial ao vencer o Prêmio Nobel de Literatura de 2013, um feito inédito até então entre escritores exclusivos de contos pois normalmente a Academia opta por premiar os romancistas, mas recentemente até um músico, Bob Dylan, conseguiu tal feito reavivando discussões sobre o que é, em essência, Literatura.

Toda a bibliografia de Alice é composta por contos e seus livros são uma espécie de coletâneas com vários deles reunidos. Fugitiva é talvez a sua obra mais popular, constantemente citada e referenciada, constitui um perfeito exemplo da prosa da autora além de já ter rendido algumas adaptações para o cinema inclusive pelas mãos de Pedro Almodóvar, famoso cineasta espanhol. E me lembro de vê-lo também em cena, na cabeceira da cama da personagem de Cameron Diaz na comédia romântica O Amor não Tira Férias (pessoas que pausam o filme pra ler as lombadas dos livros neles, por favor, me adicionem).

Fugitiva é composto por oito contos, não tão curtos e com boas páginas de desenvolvimento para cada um. Absolutamente todos são únicos e tem pontos fortes pesando a seu favor em termos de qualidade literária, impacto nos desfechos e originalidade da forma e nos temas abordados. Não houve um que eu tenha lido e não tenha saído impressionado ou reflexivo de alguma forma ou com algum aspecto. Destaco a seguir três dos que considero os melhores da antologia, embora já recomende a leitura de todos.

Peças é o melhor de todos. Nele uma protagonista solteirona e de gostos sofisticados que teme o julgo do vilarejo mesquinho em que vive faz uma vez por ano uma viagem até uma cidade grande de trem para se dar ao luxo de ver Shakespeare sendo encenado. Numa destas raras idas ela acaba conhecendo um estrangeiro que a ajuda e ao qual acaba se ligando por uma promessa de reencontro em um ano, quando ele estaria de volta duma viagem ao seu país de origem e esperando por ela. Neste tempo um amor platônico surge, mas após um ano o que temos é o destino pregando a mais cruel das peças neste casal, tudo dá errado, mas algo que ela só vai se dar conta muitas décadas depois, quase ao fim da vida é que nos faz perceber o quão. É de partir o coração e de ficar querendo “consertar” o mal entendido tramado pelo destino. Quantas vezes somos ludibriados por ele sem sequer nos darmos conta? No teatro da vida o que nós cabe quase sempre é o papel de trouxa.

Fugitiva, conto que abre e que nomeia a coletânea é sobre uma jovem num relacionamento infeliz, construído sobre mentiras e joguinhos de interesse com seu parceiro. A coisa muda e toma proporções mais sérias quando a protagonista se recusa a cumprir um plano bolado pelo marido para extorquir dinheiro da vizinha e decide fugir de tudo aquilo. O desfecho surpreende e me fez exclamar um “ah não!”, há correntes presas aos nossos pés que nós mesmos colocamos uma vez e depois nunca mais somos capazes de tirar. Bradamos por coragem e ansiamos o heroísmo quando na realidade somos covardes e com isso desperdiçamos as chances de mudança. Quantas vezes deixamos nossa própria felicidade nos escapar pelas mãos assim?

E Ocasião onde uma jovem estudante de latim acaba se culpando por uma fatalidade que acontece com um dos passageiros do mesmo trem que ela tomou para voltar pra casa dos pais numa longa viagem pelo Canadá. Entristecida ela encontra consolo e desabafa com um pescador por quem, tempos depois acabaria se apaixonando. É talvez o mais romântico dos contos do livro e a cena de ambos passando a noite no vagão panorâmico observando a noite e as estrelas enquanto falavam de constelações e mitologia me tocou bastante.

Merecem menção as sequências Daqui a Pouco e Silêncio que junto de Ocasião compõem a base para o filme Julieta de Almodóvar e nos quais a jovem protagonista do primeiro conto se mostra anos mais tarde como mulher madura e mãe dum bebê, novamente de volta à casa dos pais (agora avós) e depois como uma senhora já velha e de vida ativa tentando compreender as escolhas de vida tão diferentes feitas pela filha no que tange a religiosidade. Os três perfazem um ciclo completo no qual se encerra toda uma vida e as mudanças ao longo dela: jovem, mãe e velha, tal qual é comum nas histórias e mitos. Ofensas também é uma ótima peça, no qual são postos em conflito o amor maternal, dum lado pela mãe adotiva e do outro o da mãe biológica que entregou a filha para adoção e se arrependeu, tudo narrado pelo olhar sincero duma criança, é aflitivo, desconcertante e tocante ler sobre duas mulheres tão ávidas por amar e proteger, e dotadas de toda razão daquela forma.

Alguns temas são uma constante na obra de Munro e é possível notar com facilidade alguns deles, mesmo assim, a atmosfera de Fugitiva me soou completamente diferente da de Ódio, Amor Amizade, Namoro, Casamento que havia lido anteriormente. Um abrange espectros mais amplos dos relacionamentos ao longo de amplos espaços de tempo numa vida, enquanto neste o acaso do destino e a impossibilidade de escape ou mudança seja do destino ou do status quo das personagens parece ditar boa parte dos contos, mas obviamente os relacionamentos também têm grande destaque aqui. Suas protagonistas sempre são mulheres, sempre diferentes em aparência, personalidade, comportamento e postura. Nenhuma, exceto Juliet que protagoniza três contos em três fases diferentes da vida, se parece com a outra, nenhuma é rasa e é a complexidade psicológica de cada uma delas que as faz tão verossímeis e adoráveis.

Essa recorrência de temas e figuras femininas pode incomodar alguns, mas ainda que o material base para as obras de Alice seja o mesmo, os pequenos grandes momentos da vida, os contos são completamente diferentes uns dos outros e a experiência de lê-los passa longe de poder ser considerada “mais do mesmo”. Neste caso, uma dica para aproveitar melhor talvez seja ler cada um deles de forma espaçada, entre outras leituras, como fiz.

No Brasil, a autora é publicada pela Companhia das Letras e pelo selo Biblioteca Azul da Globo Livros. A edição de Fugitiva que li é da Folha de S. Paulo, parte integrante da coleção Folha Mulheres na Literatura, mas conta com a mesma tradução de Pedro Sette-Câmara do selo da Globo.

Assim como em Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento, vale o conselho para Fugitiva e acredito que para as demais coletâneas de Alice: deixe-se conquistar aos poucos pela prosa da autora que não se desnuda tão facilmente nas primeiras páginas, mas que te conduz a desfechos espetaculares e inacreditáveis dado o material aparentemente simples que Alice toma como matéria prima e lapida até entregar ao leitor um verdadeiro tesouro. A força de suas histórias reside na ressonância facilmente perceptível entre aspectos de nossa própria vivência e as situações, hábitos, escolhas e erros com os quais ela conduz suas personagens nos contos. É fácil se ver refletido neles e é difícil, neste exercício, lidar com as consequências das escolhas que você, caso estivesse no lugar dos personagens de Munro também faria. Um personagem de Alice, assim como nós, mesmo que sem nos darmos conta, nunca é apenas alguém desempenhando uma ação, ele é a somatória de todas as vivências anteriores, de todas as escolhas feitas e também de tudo que pode vir a ser a partir dali. Quão poderosa é a literatura e a prosa dela nestes aspectos. Reitero as afirmações de Cortázar e Noemi Jaffe acerca dos contos na sinopse e na potência do nocaute causado pela leitura de Munro, que recomendo fortemente e sem ressalvas.

site: http://www.multiversox.com.br/2018/01/fugitiva.html
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Babi.Dias 13/03/2018

LIVRAÇO!
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@moniquebonomini 14/03/2018

Peculiares
As mulheres deste livro são peculiares, nada nelas é óbvio, assim como suas histórias.
Quando você acha que captou o rumo que a história está tomando se surpreende com a virada inesperada promovida pela autora.
Confesso que por diversas vezes não acreditei no fim, achei mesmo que a coisa teria uma continuação, mas a autora é mestre em te deixar cheio de expectativa, sabe o gif do Vicente Vega em Pulp Fiction, procurando o rumo? Então, é assim que Alice Munro te deixa!
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Pandora 18/03/2018

Ler Fugitiva é uma experiencia de introspecção e reflexão e tem sido impossível não lembrar de outros livros capazes de proporcionar a mesma experiencia. Como não pensar nos ensaios da Herta Müller em "O Rei se Inclina e Mata", dos contos curtos da Natália Ginzburg em "As pequenas virtudes" ou das cartas de Sofia e Mariana no inesquecível "Nebulosidade Variável" da Carmen Martin Gaite.

Encontrar nos livros a beleza e a dor de nossas vidas. Os desafios, dilemas, experiências e aventuras de ser mulher nesse mundo que nos diminui, sabota e tenta nos submeter é sempre uma experiência encantadora e fortalecedora. Alice Munro entra para a minha galeria interna de grandes autoras, suas personagens começam a compor a monja paisagem interior.
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Leila de Carvalho e Gonçalves 12/07/2018

Separações e Regressos
Publicado em 2004, "A Fugitiva" é um livro de Alice Munro, vencedor do Giller Prize, uma das mais prestigiadas distinções literárias norte-americanas.

Tendo como cenário as províncias canadenses, seus oito contos relatam momentos difíceis, envolvendo separações e regressos. Suas personagens, em constante movimento, vão de um lugar para outro, tentando reconstruir suas vidas, mas nem sempre, essa mudança é possivel.

Com grandes saltos temporais, essas histórias cobrem cerca de cinquenta anos e vão até meados da década de setenta. Suas protagonistas (nem sempre empáticas) sabem o que querem e estão dispostas a pagar um tributo por suas escolhas.

Através desses episódios, desfilam o sofrimento de uma mãe a procura da filha desaparecida, o desamparo de uma esposa abandonada num hospício pelo marido e até mesmo, a coragem de uma jovem que troca um noivado sem amor por uma aventura com o futuro cunhado.

Dois contos merecem particular atenção, pois exibem pontos obscuros que dependem da interpretação pessoal, um artifício bem ao gosto de Munro que ignora narradores oniscientes. O primeiro, "Fugitiva", que intitula o livro, retrata um casamento falido através do sumiço de uma cabritinha que pertencia ao casal. O segundo, "Peças", inspirado na "Comédia dos Erros" de Shakespeare, exibe o reencontro frustrado de dois jovens enamorados após um ano de separação.

O livro apresenta um traço bastante singular: três narrativas com uma mesma protagonista, Juliet. Na primeira, ela é uma jovem professora que durante uma viagem de trem encontra o homem de sua vida. Em seguida, aparece como uma jovem mãe em visita a casa da pais, revelando uma difícil convivência. Finalmente, no último, ela surge como uma mulher de meia-idade enfrentando a rejeição da filha que acaba de abandoná-la.

"Munro explora a dor sem compaixão e, se em suas narrativas não há espaço para a felicidade, ela jamais cede as lamúrias ou ao sentimentalismo barato, revelando como escritora a mesma tenacidade de suas protagonistas." Atrever-se por suas histórias é uma experiência literária perturbadora e sem julgamento moral, elas desafiam a reflexão.
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Samanta 14/08/2019

Sobre esticar a história o suficiente pra o que um dia foi feliz se despedace de algum jeito. Não deixa de ser real não é?
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Julia Dutra @abibliotecadebabel 03/04/2020

Eu amo Almodóvar e amo mais ainda como ele fez com que esses contos canadenses se tornassem tão espanhóis quanto se pode ser.
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