Ramiro.ag 17/01/2024
"O sabre, o mosquete, o cachimbo e o fuzil de pederneira estavam sempre ao lado de cada cossaco."
"E toda a Siétch rezava numa só igreja e estava pronta para defendê-la até a última gota de sangue, embora não quisesse nem ouvir falar sobre jejum e abstinência."
Gógol, precursor entre os magníficos escritores russos, extraiu do seio popular personagens entranhados nas camadas sociais menos afortunadas, elevando-os à sublime condição de heróis nas tramas de uma obra literária épica.
Na expressão gogoliana, a vinculação entre vida e literatura assume contornos ainda mais profundos, visto que o autor adota a vida do povo russo como o epicentro de toda a sua criação literária. A cultura popular, a existência mais singela do ser humano, seja ele um opulento proprietário de terras, um modesto funcionário público, um mujique ou um cossaco, assim como a alma multifacetada do homem russo, estão intrinsecamente entrelaçadas em suas narrativas.
"[...] consideravam indispensável dar educação a seus filhos, embora fizessem isso para depois esquecê-la por completo."
Em "Tarás Bulba", obra tecida nas tramas da história dos cossacos, ressoa uma intensa tonalidade popular e nacionalista. Nessa obra, o autor caracterizou o coronel Tarás Bulba de maneira a personificar toda uma nação, exaltando não apenas sua coragem e determinação, mas também desvelando um estilo de vida singular, uma sociedade anárquica que coabita harmoniosamente com um sistema militar meticulosamente organizado.
"Porém, estabelecer parentesco pela alma, e não pelo sangue, é algo de que só o homem é capaz."
Tarás Bulba pode ser considerada uma epopeia, assim como Ilíada e Odisseia, dando aos guerreiros cossacos os mesmos contornos dos heróis épicos. Em toda a trama, os guerreiros estão lutando pela sua honra e pela honra de sua pátria, estão tentando evitar a supressão do cristianismo ortodoxo pela igreja católica da Polônia, com personagens que, mesmo destituídos de nobreza, conquistam a glória nos campos de batalha. A essência épica dos personagens em "Tarás Bulba" se entrelaça com a peculiaridade popular: injúrias, maldições, desvios morais, preconceitos e superstições. Este contraste, ao mesmo tempo que desafia a grandiosidade épica dessas figuras, faz emergir do seio do povo personagens repletos de glória e esplendor.
"Não existe força maior do que a fé. Ela é terrível e inabalável como um rochedo no meio do mar tempestuoso e sempre inconstante, de cujas profundezas ele, que fora criado de uma só rocha inteiriça, ergue até as alturas os seus muros inexpugnáveis."
Apesar do tema sério e das recorrentes descrições violentas e brutais, a obra abraça, de fato, uma atmosfera carnavalesca. Eu me peguei rindo em inúmeras passagens, e a descrição burlesca confere uma leveza e uma abertura ao riso.
"E o fogo já se levantava acima da fogueira, envolvia suas pernas e estendia as chamas pela árvore...Mas haverá no mundo algum fogo, martírio ou poder que possa vencer a força russa?"
Outra leitura que veio para reafirmar a razão pela qual Nikolai Gógol perdura como minha paixão literária.