Higor 01/09/2018
Sobre o erotismo através dos séculos
Todo autor tem uma obra-prima, que sempre é lembrada, até pelo mais leigo dos leitores, quando se comenta algo sobre um autor; o mesmo não pode se pontuar com precisão, no entanto, ao se tratar da obra de Mario Vargas Llosa. A crítica especializada, por exemplo, aponta ‘A festa do Bode’ como seu melhor livro, o que é fortemente contestado pelos fãs, que preferem seu ‘Travessuras da menina má’, ou até mesmo ‘Elogio da madrasta’.
este poderia ser, sim, seu melhor livro, afinal, a maneira como o autor teve um cuidado ao narrar a história de Lucrécia e seu afilhado Fonchito é incrível, e o resultado de todo o cuidado e zelo é uma história desconcertante, repugnante para alguns, mas com um alto teor de beleza, é preciso admitir, mesmo torcendo o nariz. O que mais vale neste livro são os detalhes, e, de fato, a minúcia se mantém presente ao longo das 160 páginas, não com enfado, mas com elegância e esplendor.
Adjetivos pontuados, mas que muitos dos que leram, acabam por discordar, se for analisar os comentários em outras resenhas, principalmente por conta da intensidade de detalhes a respeito das abluções de Don Rigoberto, mais especificamente o capítulo dedicado a defecação dele. Não são detalhes desnecessários e que almejam o enojamento do leitor, mas que desejam levá-lo a refletir sobre o erotismo, assim como toda a obra, mas, no capítulo específico, abordar onde começa o erótico, se apenas com a consumação do ato, ou ainda na preparação do corpo, antes da entrega em si. Zelo para o próximo, ou, quem sabe, para sua própria veneração, acima de tudo.
Na verdade, a grande impressão que eu tive ao ler o livro, foi a de que encarava um artigo sobre a história do sexo através dos séculos, da arte e da literatura ou algo do tipo. Tudo porque o autor não aborda o erotismo – tão banalizado e escrito apenas para entretenimento barato nos dias de hoje – à toa, mas cria tais cenas, pontuando com referências, tanto literárias, quanto artísticas, apenas para enaltecer ainda mais a grandiosa história em suas mãos, tanto que, no decorrer do livro, o autor não se prende apenas em contar as aventuras sexuais de Lucrécia e Don Rigoberto, insaciáveis em descobrirem os prazeres da vida conjugal; tampouco em focar apenas no cuidado excessivo de Don Rigoberto em se preparar para a mulher; ao invés disso, amplia o horizonte com quadros e autores renomados e suas próprias descrições sobre o erotismo, enaltecidas ou vulgarizadas em seus respectivos séculos e culturas.
Quadros conhecidos, como Diana após o banho, de François Clouet e A anunciação, de Fra Angélico, se juntam a outras pinturas menos conhecidas, como Caminho para Mendieta 10, de Fernando de Szyszlo e trechos gregos, bíblicos, dentre outros, em uma aleatoriedade, que soa coesa, e se unem para compor o sexo em suas várias perspectivas.
Não nos esqueçamos, claro, de Fonchito, a criança meiga e angelical, que perturba o leitor com sua conduta. Embora seja um personagem essencial para a construção e desenrolar da história, principalmente nos capítulos finais, ele não é o responsável por fazer com que o livro seja lembrado por mim, e pode acontecer o mesmo com alguns leitores mais exigentes. A escrita primorosa e cuidadosa, sim, é o que suscita do pensamento.
Comparar ‘Elogio da madrasta’ com uma obra de arte é certamente um exagero, mas é igualmente prudente afirmar que está acima de muitos livros sobre o erotismo, ficcionais ou não, e até mesmo do próprio autor. Um livro que, definitivamente, impõe respeito.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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