Rayssa 13/05/2024DespropositadoDona Lucrecia e Dom Rigoberto vivem uma relação conjugal feliz e repleta de amor e desejo. Sendo sua segunda esposa, Dona Lucrecia não poderia imaginar ser tão amada por seu enteado, Fonchito. O menino a adora, mas esse encantamento irá tomar rumos imprevistos por todos.
Já tendo lido anteriormente (e amado) Travessuras da menina má, do mesmo autor, fui com muita expectativa para Elogio da madrasta e, infelizmente, me decepcionei muito. Para quem não sabe, Llosa é um autor peruano, nascido em 1936, de prosa ágil e repleta de lirismo. Nessa história, o autor mantém um certo lirismo na narrativa, combinada com toques de humor e erotismo. Contudo, o que Llosa tenta fazer aqui não funcionou para mim.
Temos aqui uma narrativa linear mesclada com contos curtos que usam os personagens principais em situações lúdicas, com um misto de mitologia e alusão a obras de arte. Esses pequenos textos são sátiras da história principal, repletos de sarcasmo e devaneios que, no geral, não se comunicam tão bem com o restante da obra, sendo assim acréscimos desnecessários ao texto principal que passa longe de ser ruim, mas que poderia ter sido melhor aprofundado. Nesse sentido, embora seja curioso acompanhar o ego exacerbado de Dom Rigoberto, o autor narra em minúcias irrelevantes seus rituais de higiene, chegando a ser irritante por sua irrelevância. Dona Lucrecia, por sua vez, é representada como uma mulher vazia, cujos atributos físicos são objeto de uma obsessão patética do marido.
Agora, a principal questão que me fez não gostar do livro foi a forma como um tema tão delicado, isto é, a pedofilia, foi abordada na obra. Llosa se esforça para fazer uma situação tão horripilante parecer algo comum ou até cômico. O autor joga um abuso sexual infantil na história sem aprofundamento dos personagens, sem trabalhar o leitor para que ele entenda o que de fato está acontecendo ali, coisa que Nabokov faz com maestria em Lolita, por exemplo. É muito desconfortável ver a ausência de responsabilidade de Dona Lucrecia, uma mulher adulta que enxerga no menino uma oportunidade de inflar seu ego ao ponto de crescer para um desejo sexual. Ainda por cima, temos um desfecho aberto, no qual é insinuado que a culpa de todos os acontecimentos seria da criança. Fonchito seria então um ser maligno, ou até demoníaco (inclusive há no texto referências a Fausto), que teria supostamente seduzido sua própria madrasta para levá-la a perdição. São contrassensos tão grandes nessa leitura que me deixou bastante incomodada.
Enfim, não consegui mesmo compreender o que se passou na cabeça de Llosa ao escrever esse livro que, a meu ver, é de tão mal gosto e despropósito. Para quem não conhece o autor, recomendo muito começar por Travessuras da menina má e deixar Elogio da madrasta como última opção.