Victor225 24/03/2024
Conheci Hitchens por meio dos seus debates, onde se revelava como um grande orador, de raciocínio e argumentos sempre afiados. Neste livro, Hitchens, mesclando suas experiências como jornalista e argumentos sólidos contra afirmações religiosas, combate a noção de que a religião é uma força para o bem no mundo, provando exatamente o contrário: ideias promovidas pela religião são, muitas vezes, as principais forças por trás do ódio tribal, do autoflagelo, da ignorância, da superstição e da rivalidade para com a livre-reflexão.
A religião, em princípio, já nasce corrompida. Garante à certo povo o cuidado e supervisão de um Deus todo poderoso, que, certamente, está do seu lado. Ao mesmo tempo, precisa lembrar constantemente da culpa e dívida de seus fiéis para com seu criador. O fiel é responsabilizado por "pecados" cometidos há muito por outros que não ele; é, como em um poema que cita, criado doente e ordenado a ser saudável. Se não seguir à risca as ordens de seu "amoroso mestre", sofre a punição e tortura eternas. Por causa da curiosidade e insatisfação dados por Deus à Eva, esta cai em erro. Por capricho divino, toda a humanidade paga o preço. Sem contar que, por meio da sua narrativa mitológica da criação, coloca a mulher como uma criação inferior. Quem é o culpado de tudo?
"Quanta vaidade precisa ser dissimulada [...] de modo a fingir que alguém é o objeto pessoal de um plano divino? Quanto amor-próprio precisa ser sacrificado para que alguém possa sofrer continuamente na consciência do próprio pecado?"
Hitchens enxerga, na religião, muitas similaridades com Estados totalitários. Suas vivências em Estados teocráticos o munem de exemplos. Chega a definir o sistema religioso como uma espécie de "Coreia do Norte celestial".
"Não apenas sabem, sabem tudo. Não apenas sabem que Deus existe e que criou e supervisiona toda a empreitada, mas também sabem o que "ele" exige de nós — de nossa dieta a nossas obrigações, passando por nossa moral sexual."
Também não é novidade, para qualquer pessoa sincera, o empecilho que a religião foi e é no adquirir do conhecimento humano. Hitchens relembra o quanto a Igreja anunciou, à época dos surtos, que a aids era uma punição divina contra os desvios sexuais, em especial contra o homossexualismo. Não faltam exemplos de sua sujeira. A insistência em negar que o Sol não orbita a Terra, e sua teimosia em afirmar ser a Terra o centro de tudo. A antiga, mas ainda presente condenação da masturbação, relacionando-a, em alguns casos, com a insanidade, distúrbios e doenças. A louca necessidade de controle da vida sexual de seus fiéis — já demonstrando a obsessão da religião com o sexo, vide a Virgem Maria — onde, em certo momento, o papa condenou o uso da camisinha. A negação da evolução, a crença na Terra de 6 mil anos, as Cruzadas, a Inquisição, as explicações imbecis e incorretas dos eventos naturais…
Tudo isso prova a natureza supersticiosa e irracional da religião. Sua importância no mundo moderno é nulo. Resume-se a poder, controle e dinheiro.
"Os fiéis estão dispensados disso: já não temos nenhuma necessidade de um deus para explicar o que não é mais misterioso."
O último apelo da religião é que, apesar de todo o mal causado, ela ainda impõe moral. Isso cai por terra pelos precisos exemplos citados anteriormentes. "Quanto mais devota uma pessoa, mais negociável o 7° mandamento", diz Hitchens. A vaidade dissimulada; as constantes discussões e guerras entre as diferentes tribos religiosas, que discordam sobre qual delas tem Deus encurralado; as contínuas discordâncias entre o que é literal e metafórico nas "Sagradas Escrituras"; o inconsciente ignorar de novas descobertas a fim de não abalar a fé. Conclui-se que, assim como a fé antecede a religião, a religião não torna ninguém moral, pois a moral a antecede. Ela é, por muitas vezes, não apenas amoral, mas imoral.
Um Deus que, vendo a falha de sua criação, não toma para si a responsabilidade, decidindo aniquilar tudo que é vivo em um — agora comprovadamente impossível — dilúvio global; um Deus que em Êxodo 21 ensina a compra e venda de escravos; um Deus que ordena explicitamente, em Números 15:32, o assassinato de um homem a pedradas. Um Deus impreciso, inconstante, destruidor, que, para provar a fé de um homem, o leva a quase assassinar seu filho; o derramento de sangue em seu nome; um Deus que adora tomar sacrifícios para si; um Deus cujo melhor plano de salvação de suas criaturas foi uma "partenogênese" em uma mulher cujo suposto filho seria torturado até a morte; um Deus de "revelações diretas" conflitantes para indivíduos semi analfabetos de regiões isoladas de uma única parte do globo.
Isso nos deixa duas possibilidades: ou Deus é imoral e digno de total desprezo, ou ele é uma criação humana, com muitas características nossas, o que, por conseguinte, nos livra do fardo de o adorar.
Que bem faz a religião ao mundo? E, como pergunta Hitchens, qual ação moral não posso realizar por ser ateu?