Higor 18/09/2021
"Lendo Nobel": sobre o declínio e queda de um homem
Se pensar em livros ambientados na África leva o leitor, automaticamente, a pensar em segregação racial, fome, miséria e contraste entre este e outros continentes ou países, Coetzee nos brinda ao contar histórias em um cenário diferente, o que pode sim, causar estranhamento em pessoas com estereótipos definidos, mas que logo caem por terra diante da magnitude de suas histórias.
Vencedor do Man Booker de 2000, e um dos que catapultaram o autor para que abocanhasse, em 2003, o Nobel de Literatura, "Desonra" é um livro de choques, que causa desconforto até ao mais acostumado dos leitores em livros densos ou com uma carga dramática pungente.
De maneira simples, porém cirúrgica e precisa, Coetzee narra a história de David Lurie, um professor universitário insatisfeito com sua vida monótona, afinal, é divorciado, seus alunos não se importando com seus ensinamentos e ele, por fim, gasta seu dinheiro semanalmente com uma prostituta de luxo.
O que poderia se manter como algo rotineiro, porém satisfatório, muda de rumo e se torna a ruína de Lurie: o professor começa a se envolver com uma de suas alunas. O que parece se o tema do livro, e que irá sustentar a narrativa por suas mais de 200 páginas, as questões de ética, moralidade, profissionalismo, violência, abuso sexual e autoritarismo masculino são apenas algumas dos tópicos levantados, pois logo a universidade, o local de trabalho do protagonista, sai de cena, e viajamos junto a ele para a zona rural da África do Sul.
O que era para ser um refúgio de Lurie, a visita a sua filha lésbica, Lucy, a viagem se torna um tormento e apenas intensifica o declínio e queda de um homem tão imponente, sério, importante e respeitado como David Lurie. Não vou me ater a mais detalhes da história, ainda mais nessa segunda parte, mas embora inesperado, o rumo que a história é conduzida apenas leva o leitor a reflexão sobre diversos assuntos, dos mais variados, mas que faz com que cada um deles seja revisto, repensado e mude seu conceito de até então.
Apesar de bem sucedido em tratar de tantos temas sem deixar que o livro, necessariamente, fique cheio de temas ou que cada uma das nuances sejam abordadas de maneira rasa, o grande ponto, em minha concepção, é trazer não uma África sofrida, morta de fome e com problemas sociais. Embora seja uma realidade, foi incrível ver sua África desenvolvida, bonita e com suas consolidações.
Logo, o livro deixa de ser ou tratar assuntos regionais, para balançar o leitor de qualquer lugar do mundo ao mexer com feridas que assolam o mundo como um todo. São problemáticas que dizem respeito não somente à África, mas a qualquer canto do globo, seja o Brasil, a África do Sul, os Estados Unidos, independente se é país de desenvolvimento e/ou subdesenvolvimento.
Cru, visceral e preciso, "Desonra" é o exemplo vivo de que não importa quão consolidado seja um império, ele está fadado ao fracasso e ruim, dependendo de suas condutas. David Lurie, no caso, é apenas vítima de si mesmo.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel". Mais em:
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