karinna adad 20/10/2020
Um útero que é forte o suficiente para carregar em si uma, duas, três, muitas vidas, mas que permanece submisso aos desejos masculinos; que é forte como um punho, mas que não soca. Tal qual esse útero é a condição feminina nas mais variadas sociedades - das mais conservadoras às mais progressistas.
A frase que dá nome à obra e tem um poema homônimo surgiu após uma experiência pessoal. Enquanto acompanhava uma amiga realizar um aborto no México, país onde essa prática é legalizada, Angélica deparou-se com grupos de pessoas protestando contra e querendo convencê-la a convencer a amiga a interromper a intervenção.
Tal realidade deixou à mostra o tanto que o corpo feminino, por mais individual que se diga que é, ainda é público.
Os poemas do livro exemplificam a disponibilidade do corpo e da existência feminina através de sensos comuns amplamente presentes na nossa sociedade. Um deles é a dicotomia sóbria/ébria. A mulher sóbria é contida, pode até ser sem graça, mas é limpa e respeitada. É a bela, recatada e do lar. Já a mulher ébria é exaltada, desavergonhada, suja. É aquela estuprável da balada, cuja consequência não dá em nada e aqui qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Dentre as imagens de mulheres desenhadas e expostas por Angélica Freitas há algumas que ultrapassam a idealização e chegam ao mundo real querendo discutir gênero, tendo a chance de ligar o foda-se, podendo tornar-se dona de si "e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir do lado", porque com essa mulher só quem dorme agarrada é ela mesma.