Eric Silva - Blog Conhecer Tudo 02/08/2017
Um livro trivial, mas que faz refletir #BlogConhecerTudo
Uma história trivial com todo um jeito próprio de se contar, um encontro entre prosa e poesia, entre realidade e fantasia. O Tigre na Sombra, romance da escritora Lya Luft, é o oitavo livro da campanha do #AnoDoBrasil. Um romance breve e bastante profundo, e que apesar de ser um livro de trama corriqueira e cotidiana, não deixou de me encantar pelo lirismo e profundidade da escrita da autora.
Não que O Tigre na Sombra seja um mal livro, ele não é, mas porque sua narrativa é cotidiana demais para o meu gosto que prefere as grandes tragédias, o histórico, o épico, o futurista, o misterioso e o fantástico. Por ser um livro do e sobre o cotidiano e as relações humanas, não podemos esperar grandes reviravoltas na trama. Além do mais, o corriqueiro me cansa e me dá enfado, talvez por isso poucos clássicos da nossa literatura me atraiam.
Melancólica e terna, cativante como criança travessa de sorriso bonito, a protagonista de Lya me conquistou nas primeiras páginas, mas pouco a pouco as coisas mudam, se tornam mais amarguradas, mais acres, perde a direção, ou melhor, mudam de curso e com ele o meu interesse. Não sei explicar, mas ao chegar no final do livro bem pouco da trama ainda me interessava e provavelmente essa resenha só foi escrita meses depois porque não sabia ao certo o que falar do livro.
Afirmo que Lya aborda com talento os dramas familiares da rejeição, do alcoolismo, dos relacionamentos fracassados e das infelicidades da vida ao exemplo da depressão e das situações traumáticas que marcam as pessoas, as modificam. Confesso, por outro lado, que dramas familiares não me chamam atenção, não se estes forem bastante temperados com trivialidades. Não obstante, não deixei de me encantar pelo lirismo e profundidade da escrita da autora que me fizeram divagar um pouco.
No caso do lirismo, percebi como a autora desfia o cotidiano de forma poética e com propriedade vai falando dos muitos problemas que se interpõem entre os membros da família. Poesia se intercala e se integra com prosa, num ritmo todo único e em alguns parágrafos nos são dados vislumbres do futuro na narrativa. O resultado final é de uma originalidade ímpar.
Por sua vez, quanto a profundidade ela está sobretudo na reflexão dos personagens.
Dôda é uma personagem dividida entre a realidade e a fantasia, seu principal refúgio do desamor da mãe. Mas ao mesmo tempo ela é um personagem maduro que reflete bastante sobre a vida, dando voz a autora.
Algo que gostei muito na personagem e em sua avó foi esse jeito de deixar-se levar pelas fantasias, aceita-las como um real possível, e a realidade como algo vindo de nós e que forjamos. É um livro bastante subjetivo, mas que nos faz refletir, por exemplo, como são muitas as pessoas no mundo reprimidas pela necessidade de se ajustar, e tantas outras exprimidas na busca por um refúgio que lhe sirva como válvula de escape ou como armadura de autodefesa.
Não acho que a imaginação precise ser uma atitude de fuga, considero-a, primeira e primordialmente, como algo inerente ao espírito humano. Não é necessário ser alienado para se ter imaginação, nem acredito que todo alienado seja capaz de sonhar acordado. Imaginar não supõe ser irracional, racionalidade não inviabiliza o imaginar. O projeto humano de felicidade e igualdade, por exemplo, pressupõe a capacidade de imaginar uma outra maneira de se viver e se organizar em sociedade, é preciso isso para saber qual realidade se pretende construir. Assim nascem as utopias e por todas essas coisas é que meu ser pesquisador, educador e cientista não contradiz ou se opõe ao meu eu leitor e apreciador de fantasias.
Um livro que me fez pensar de como as nossas expectativas para com o outro podem representar grilões pesados demais e difíceis de romper, e também de como somos aquilo que recebemos das pessoas. De como nos construímos do amor, da indiferença, da presença e da ausência dos outros. Somos uma caleidoscópio, ou melhor, um mosaico de sentimentos aflorados da experiência e do contato com o outro.
De todo modo, tenha eu ou não gostado da trama da narrativa de O Tigre na Sombra – algo que só agora consigo ver como muito pouco relevante – a verdade é que esse é um livro que nos faz pensar e ir além dele e isso já é mais do que suficiente. Vale a pena lê-lo.
Resenha original: http://conhecertudoemais.blogspot.com.br/2017/07/o-tigre-na-sombra-lya-luft-resenha.html
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