João Ferreira 30/12/2013Resenha: Anjos da Morte [A corrupção do gênero angélico]O segundo livro da saga Filhos do Éden, Anjos da Morte, conta a inusitada caminhada de Denyel, um anjo exilado que foi recrutado, junto de outros celestiais, pelos malakins, com o intuito de estudar o comportamento humano, já que no século XX o tecido da realidade estava tão denso que só era possível ver o que estava acontecendo na Terra descendo à Haled, atitude que os “carecas” achavam humilhante.
Recrutaram então esse anjos que já viviam aqui, cuja função seria observar e relatar a seus superiores tudo o que eles vissem ou presenciassem. Esses anjos ficaram conhecidos como Anjos da Morte.
O livro conta também a história de Kaira, Urakin e Ismael – ishin, querubim e hashmalim – em suas buscas por Denyel, que foi tragado para uma dimensão paralela à nossa em sacrifício de seus amigos.
Intercalando as histórias, Spohr mostra o quão perito é no assunto. O que mais me impressiona é a caracterização dos lugares onde a história acontece, a perfeição dos relatos de facções, hoje tidas como mitos, com os Thule, tudo se encaixa perfeitamente, a dor das guerras, a qual estudamos em nossos livros de História, que não traduz o medo e a angústia daqueles homens, a capacidade de adaptar e seguir em frente que os seres humanos têm, os bastidores da fama e da loucura que foi os anos de 60 para 90, o calor americano de uma nação que começava a se tornar uma potência mundial, a queda soviética e o desespero nazista, tudo contado como se ele tivesse vivido nessas épocas.
Esses relatos me fizeram refletir e me tocaram de uma forma que me fez voltar no tempo e me envolver com esses anos. Eduardo deve ter gastado muitas e muitas horas com pesquisas. Realmente é um mérito notável.
Quando li o primeiro livro da saga, Filhos do Éden, Herdeiros de Atlântida, fiquei impressionado com o estilo de Denyel, irônico e sarcástico, um anjo que corrompeu sua honra, um querubim que se torna a ovelha negra da casta. Eu fiquei imaginando o que pode fazer um anjo tão nobre como um querubim se tornar tão amargo e descrente?
Então veio esse segundo livro e entendi perfeitamente.
A história segue mostrando a corrupção do pessoal de Denyel, e quando o leitor se coloca no lugar do celeste, consegue entender essa decepção. O anjo é forçado a matar sem a dignidade de um guerreiro, é obrigado a matar amigos que o ajudaram, é obrigado a ver companheiros de luta, que praticamente se tornam familiares para o anjo, perecerem, tem a decepção de amar e depois tudo acabar, ou seja, carregando essa bagagem, o exilado se torna o que ele é no primeiro livro.
O querubim aprende com os humanos, a malícia, o amor fraterno e a adaptação a situações das mais diversas. O tom melancólico do livro em torno de Denyel faz o leitor tomar as dores do exilado.
Achei muito legal Spohr ter colocado os complementos Ficção versus Realidade e Listas de Reprodução, pois desde a minha leitura de A Batalha do Apocalipse, fiquei me perguntando até onde os acontecimentos e lugares narrados eram verdadeiros. Muito bom mesmo, me ajudou a separar o que era real do surreal.
Gostei também das Listas de Reprodução, pois vez ou outra há músicas que o leitor não conhece e tem a oportunidade de ouvir e entender o frenesi daqueles tempos. Com certeza baixarei todas.
O livro termina avacalhando o leitor, no bom sentido, primeiro por que o coro liderado por Kaira entra no poço de Egnias e não se sabe o que aconteceu com ele, segundo, Denyel se encontra em Asgard, o que indica que o terceiro livro trará a Mitologia Nórdica em ação, ou seja, agora é roer as unhas até o lançamento de Paraíso Perdido, já que Anjos da Morte deixou aquele famoso e incômodo gostinho de quero mais.
Anjos da Morte é uma obra-prima, e em um país onde a leitura é banalizada como perda de tempo, Eduardo Spohr conseguiu escrever um livro riquíssimo em todos os contextos, conseguindo ensinar muitas coisas até mesmo a leitores experientes.