André 05/02/2020
Um povo sem história é um povo sem futuro
A experiência de ler Mia Couto é sempre muito interessante. Seja por sua forma singular de abordar as palavras e o português, seja pelo folclore que ganha vida em seus personagens, seja pelas imagens poéticas tão intensas que entremeiam suas histórias.
A Varanda do Frangipani conta com vários dos elementos que são tão caros ao autor, a crítica ao colonialismo e à guerra, as crenças singulares do seu povo, a linha tênue entre os viventes e seus espíritos, as inversões de palavras que causam uma experiência estética única. A história acompanha duas linhas simultâneas que de alternam, a de um espírito que foi enterrado em desacordo com seus rituais e portanto não descansa em paz, e a de um polícia que vai até o local em questão, um asilo, para investigar o assassinato do diretor do asilo. A experiência desses dois personagens é literalmente sobreposta e emaranhada, a partir do momento em que o morto ocupa o policial enquanto um espírito observador e, junto dele, acompanha as entrevistas que ele realiza com os velhos do asilo.
As entrevistas em si são o ponto alto do livro, pois cada uma ali conta um trecho de uma história muito rica e, como se sugere em determinado ponto, são mentiras que revelam uma verdade ainda maior. O grande ponto que somos levados a pensar é justamente esse: o que acontece de uma sociedade que não acredita no potencial de sua própria história? Da mesma forma em que podemos questionar o valor das tradições para um povo, a história do Frangipani nós leva a pensar em um nível micro e macro político, que um indivíduo usurpado de sua própria história, ou um povo que não conhece sua origem, são ambos árvores sem raízes firmadas, estruturas inacabadas e sem força para se lançar a frente.
Foi essa, enfim, minha reflexão ao ler o livro. O Frangipani, a árvore que tanto permeia a vida (e morte) desses personagens, é símbolo último de que devemos lembrar do anterior, do antecedente, para enfim termos uma vida com significado.