juhelwig 23/03/2024
Criação e desmonte de mitos pela imprensa, genial
E quem nunca ouviu falar de Nelson Rodrigues? Escritor, jornalista e artista, que revolucionou o teatro brasileiro! Um homem com uma genialidade indiscutível!
Nessa obra, roteiro da peça Boca de Ouro, tendo sua primeira montagem em 1960, temos uma história sobre um bicheiro famoso, o tal Boca de Ouro, que com sua ascensão coloca uma dentadura de ouro, dando origem ao mito de sua figura. Nas primeiras páginas sabemos já que o temido e narcisista Boca foi assassinado e é então que temos o desenrolar do enredo.
Com a morte do bicheiro, a mídia vai atrás de histórias mirabolantes sobre a figura, e encontra a ex amante de Boca, volúvel que ao narrar episódios vividos com o ex acaba dando diversas versões cada vez mais escabrosas e desconexas conforme suas emoções.
A genialidade do ensaio se encontra ao analisarmos e inserimos ela num contexto político brasileiro. Havia um processo de redemocratização pós Vargas, a onda pós censura estava baixando, a mídia foi transformada com o surgimento de novos jornais populares que e para cativar o povo e construia cenários através de histórias sensacionalistas com títulos mirabolantes e enredos questionáveis, Nelson Rodrigues via essa transformação como algo negativo visto que havia através desses veículos a força para construir mitos, narrativas poderosas, assim como destruir.
Além disso, temos a questão ética da confiabilidade de fontes, narrativas que será levada para o público, algo que ao apelar para manchetes sensacionalistas e sem veracidade acaba por poder arruinar a vida de uma população.
Apesar de ser uma obra de décadas passadas o mesmo se torna atual, o que novamente eleva a obra de Nelson Rodrigues, após a nova onda conservadora do país (e mundo) nos deparamos com programas e veículos de notícias com manchetes sensacionalistas e narrativas que promovem uma grande alienação do povo que consome, tendo poder até para eleger alguém que destruiu a vida de milhares de brasileiros.
Certamente uma leitura essencial! Não dou 5 estrelas apenas pelo formato da edição que não gostei muito. Acho que os extras de contexto da obra, banco de palavras, poderiam estar no início ou então ter um sumário para saber que terá esse conteúdo.