jota 22/02/2014Amores equatoriaisEquador, o livro, começa a esquentar mesmo lá pela página 220 (e são mais de quinhentas no total), quando entra na história um casal de ingleses vindos da India, Ann e David Jameson. Estamos nos anos iniciais do século XX e Jameson, agente britânico, é transferido para as ilhas S. Tomé e Príncipe, possessão portuguesa na África (no Golfo da Guiné), encarregado de verificar se de fato Portugal andava a cumprir um antigo tratado assinado com a Inglaterra em 1842, em que se comprometia a não permitir a entrada de escravos para trabalhar em suas terras.
Claro que em S. Tomé a imensa maioria dos proprietários de extensas lavouras de cacau tratava seus trabalhadores angolanos como verdadeiros escravos, impondo-lhes condições de trabalho e saúde desumanas, péssima alimentação e moradia, etc. Mas o governo português, mal-informado por seus agentes externos ou agindo de má-fé mesmo, trabalhava para que as autoridades inglesas acreditassem que não havia trabalho escravo nas fazendas, daí que essa é também uma das explicações para a conhecida expressão “para inglês ver”.
A própria história do casal inglês Ann e David Jameson daria por si mesma uma interessante novela se lida separada, mas isso não significa que antes da página 220 a história contada por Miguel Sousa Tavares seja maçante, pelo contrário. Até ali acompanhávamos a vida boêmia do empresário quase quarentão Luis Bernardo Valença em Lisboa, até que fosse chamado pelo rei português D. Carlos para receber o cargo de governador das ilhas e tentar melhorar a situação trabalhista por lá. E assim influenciar Jameson para que ele elaborasse um relatório favorável ao governo português quanto à situação dos trabalhadores negros. Sem o que os ingleses aplicariam sanções comerciais a S. Tomé: deixariam de importar seu cacau, principal fonte de renda da ilha.
S. Tomé e Príncipe (independente de Portugal desde 1975 e oficialmente República Democrática de S. Tomé e Príncipe) tem poucos atrativos para um homem urbano e mundano como Luis Bernardo, que todavia aceita o cargo depois de muito refletir. E o faz muito mais para por fim ao relacionamento com uma senhora casada, que podia complicar sua vida além do suportável. Ao lado disso, aprendemos um bocado de História portuguesa e ficamos conhecendo também um pouco da geografia de S. Tome e Príncipe. E quando os três personagens principais – o português e o casal inglês – começam a se relacionar na ilha então Equador fica empolgante e quase não se quer mais largar o livro.
Mais à frente há uns embates do próprio Luis Bernardo com os portugueses da ilha, que não querem mudar o tratamento cruel dado aos trabalhadores negros e você torce por estes e pelo governador, que também já engatara um romance proibido, composto de vários elementos e tudo mais para não terminar bem. E as coisas passam a crescer como uma bola de neve nessas ilhas equatoriais, plenas de umidade e calor, até explodirem no final. Que se não é surpreendente ao menos é bastante diferente do que estávamos imaginando para o personagem principal. E pode até mesmo lembrar um fado, não sei...
Equador é um romance bastante interessante e envolvente, com personagens marcantes, escrito em português de Portugal (o autor exigiu que fosse mantida a grafia da edição original, como fazem outros escritores de lá), mas de fácil e agradável leitura. E ao contar essa história, muito mais do que seu conterrâneo José Saramago, por exemplo, Miguel Sousa Tavares me parece lembrar o nosso João Ubaldo Ribeiro - embora quanto a isso eu não saiba explicar exatamente o motivo. Sei que apreciei bastante o livro e posso recomendá-lo a outros leitores que apreciam História e histórias.
Lido entre 15 e 21/02/2014.