Luciana Ramos 25/09/2011
Equador
“Equador: ao mesmo tempo, linha imaginária de fronteira entre dois mundos e contração da expressão é-cum-a-dor, em português antigo.”
Equador é um romance onde a ficção se mistura aos fatos históricos, ambientado no início do século XX e nos últimos anos da monarquia portuguesa. O livro nos remete à sociedade daquela época, aos seus costumes e ao trabalho escravo ainda presente em algumas colônias portuguesas, mesmo após a abolição da escravatura.
Luis Bernardo é um homem de 37 anos, que trabalha no escritório de uma companhia de navios em Lisboa que foi herdada do pai e, de vez em quando, tem um relacionamento amoroso. É sócio de um clube, onde são defendidas opiniões pragmáticas. Lá, ele chamou atenção da realeza devido a dois artigos publicado no jornal “Mundo” acerca da questão colonial. Nesses artigos, Luis Bernardo exigia uma política colonial moderna que fosse efetiva para o comércio e a economia, e também mostrava uma pretensão civilizacional.
Devido a isso, Luis Bernardo é convidado pelo próprio Rei D. Carlos a ocupar o lugar de governador das ilhas de São Tomé e Príncipe durante três anos, com a missão de averiguar se há ou não trabalho escravo na colônia e convencer o cônsul inglês, enviado para lá com o mesmo propósito, de que o trabalho escravo em Portugal era coisa do passado.
Diante de uma missão praticamente impossível, o personagem se vê confrontado com a hipocrisia humanística dos ingleses, que exigiam o fim do trabalho escravos nas colônias portuguesas, mas que, na realidade, estavam apenas preocupados com a concorrência dos produtos dessas colônias. O protagonista entra em conflito com o seu próprio idealismo ao vivenciar as condições particulares da economia de São Tomé e Príncipe.
No plano pessoal, esta missão representa para Luis Bernardo o fim de uma vida mundana na capital do Império e o princípio de um longo exílio numa ilha distante de todas as partes do mundo. Será nessa ilha que o amor se revelará de uma maneira tão avassaladora quanto sórdida.
Do outro lado da história temos David, o cônsul inglês, um autêntico camaleão, um cidadão do mundo, com a capacidade de se adaptar a qualquer lugar ou circunstância, inteligentíssimo, empreendedor e totalmente devotado à sua mulher, Ann. Por sua vez, Ann é uma personagem esfíngica, extremamente bela, culta e viajada, diferente de todas as outras mulheres que povoam o cotidiano do português. O casal torna-se amigo do governador. Dessa amizade, nasce uma paixão entre Ann e Luis Bernardo e, ao mesmo tempo, o remorso por trair seu único amigo naquela região.
As facetas psicológicas dos personagens e a ambientação numa região quente e úmida, que tanto desperta a sensualidade como os humores melancólicos, são os fios condutores dessa narrativa que prende a atenção dos leitores.
Equador, é a revisitação histórica de um período crucial da história portuguesa (entre os anos de 1905-1908), coincidindo com a decadência da Monarquia, o nascer da República, a grave crise política, social e econômica do Império Português Ultramarino, representado pela longínqua colônia de São Tomé e Príncipe.
Centrado em temáticas como a colonização e a questão das liberdades fundamentais do ser humano, o romance não procura a resposta mais fácil ou politicamente correta, ou seja, a condenação da escravatura e a defesa incondicional da autodeterminação dos povos. Na visão do autor, isso acabaria por extinguir a vida econômica nessa pequena ilha do Atlântico, já que tudo girava em torno dos produtos cultivados em suas roças através do trabalho escravo.
Equador desperta nos leitores todo tipo de sentimento: frustração pelo fracasso no enfrentamento do sistema, empatia com o idealismo utópico humanista do protagonista, curiosidade em relação à primitividade exuberante de uma ilha de cores e sabores sensuais, excitação pela despudorada sexualidade de uma lady educada nas mais rígidas normas do formalismo inglês. É um romance de paixões extremas, de convicções fortes e inabaláveis, que permite recriar as misérias e grandezas da alma humana, as suas qualidades e os seus vícios, as suas ambições e os seus receios.
É um livro intenso, profundamente sensorial, onde se sente o pulsar da vida em cada folha de árvore, em cada gota de chuva, em cada grão de areia das praias de São Tomé. Na descrição do clima, da paisagem, dos sons, dos cheiros, transpira uma sensualidade que lateja em cada palavra. Um livro onde idealismo e realidade se chocam numa guerra entre razão ou dever e emoção ou vontade. O destaque vai para sentimentos como o amor, o desejo, a paixão, a lealdade, a traição, a mentira, a amizade e a forma como a sociedade os rotula em casamento, honra, infidelidade ou adultério.
Em 21 de dezembro de 2008, estreou em Portugal a minissérie Equador, baseada na obra de mesmo nome, contada em 30 capítulos. Algumas filmagens foram feitas no Brasil. No site youtube é possível assistir a 17 capítulos da trama.