Caio.Bonazzi 15/06/2021
Uma história fantástica
Sabe aquele livro que você já ouviu falar bem, não lembra exatamente de onde, começa a ler sem muita expectativa e de repente é surpreendido, e ao terminar de ler a sensação é de "Por que eu não o li antes?". Foi o que eu senti ao terminar Equador. No livro acompanhamos nosso protagonista Luis Bernardo, um empresário português que é convidado pelo Rei D. Carlos I, para ser governador das ilhas de São Tomé e Principe no ínicio do século XX, então colônias portuguesas. Essas ilhas eram grandes produtoras de cacau e à Luis Bernardo foi confiada a missão de verificar e garantir que não existia trabalho escravo nas plantações, devido a uma ameaça de embargo de importação pelos ingleses, que afetaria muito tanto a economia das ilhas quanto o nome da então monarquia de Portugal.
As ilhas de São Tomé e Príncipe se encontram na linha do equador, por isso o título do livro. Linha essa que divide o planeta nos hemisférios Norte e Sul, e acredito que possa funcionar como uma analogia do nosso personagem principal, que durante a história se encontra dividido entre sua missão, dada pelo próprio rei e visando os interesses de Portugal e que representava para Luis uma grande honra, mas por outro lado ele, um antiescravista assumido, também não poderia compactuar com a escravidão disfarçada que acontecia nas fazendas das ilhas. Além do desafio de nosso protagonista, ainda somos apresentados a outros personagens essenciais da história que são o Consul Inglês David e sua esposa Ann, que representam a missão contrária de Luís, ou seja, constatar a escravidão das Ilhas e reportar isso para a Inglaterra, que então embargaria as importações e automaticamente faria da missão de Luís um fracasso. Apesar de missões rivais, estes três personagens acabavam formando uma amizade improvável, mas até que ponto estes conseguirão separar seus vieses políticos e éticas pessoais, e seria a amizade forte o suficiente para resistir a tudo isso?
A trama toda do livro é muito bem construída, com uma apresentação inicial das histórias de fundo desses três personagens citados, até a união de seus caminhos nas Ilhas. Os personagens são muito bem construídos, sem dualismos de bem versus mal, mas tratados de forma muito mais real, com qualidades, defeitos, atitudes nobres e infames. Isso cria em nós uma identificação, e experimentamos juntos com eles seus sentimentos, frustrações e principalmente os questionamentos de Luis. Este sempre está duelando com seus dilemas morais, com as dificuldades de mudar um cenário político cruel que enraizou durante anos o trabalho escravo nas ilhas e que apesar de dizer querer mudar, somente quer aparentar a mudança. Sentimos juntos com Luis a frustração de querer mudar uma situação, mas ser impossibilitado por um sistema que perdura, do poder que se retroalimenta para favorecer os já favorecidos. É a famosa política das aparências, que como bem sabemos, mais de um século depois, continua a mesma.