joaoggur 03/01/2024
Como dançamos, Jake.
Todos os elementos ?stephenkinganos? estão presentes nessa obra (personagens alcoólatras; professores de inglês; referências a geografia estado-unidense; uma imersão a música interiorana)? Menos o terror. E mesmo desenvolvendo uma história de ficção científica, o King do terror escreve com maestria.
Acompanhamos Jake Epping (que por todo o livro usa o nome George Amberson), um professor de inglês que tem a vida mudada quando um amigo, o barman Al, mostra-lhe que na dispensa de seu restaurante há uma passagem diretamente para 1958. E, em seu leito de morte, propõe que o professor mude a história dos Estados Unidos: pede que ele vá ao passado e detenha Lee Harry Oswald, o algoz do presidente John F. Kennedy.
Podem chamá-lo de comercial, de Paulo Coelho estado-unidense, ou até criticá-lo por ter enriquecido vendendo o roteiro de seus livros para produtoras filmarem filmes atrozes (com exceção de algumas peças magníficas do cinema, tal como ?Carrie? e ?O Iluminado?, que, convenhamos, estarem sob tutela de diretores sensacionais fora fundamental para o êxito como clássicos da sétima arte), mas é inegável sua habilidade em contar histórias. Desde a imersão do leitor aos conflitos inicias até a resolução do problema, tudo é feito com maestria.
Costume dizer que os livros de Stephen King tem uma ?barriga? no meio, um ponto monótono que a leitura perde o fio da meada. Aqui, é completamente oposto. Não sei se foi pelo paradoxal misto de tensão e calmaria (dado ao fato de Jake estar vigiando o futuro assassino), ou pelo carisma do protagonista (talvez um dos melhores já idealizados pelo autor), mas é inegável como a leitura é fluida.
O desenvolvimento dos ambientes é animal. O protagonista está em 2011 e SENTIMOS o presente. O protagonista vai ao passado e as palavras de King conseguem nos submergir a uma terra antiga. As referências culturais, os choques de um mundo não tão distante, as referências as músicas? tudo é uma grande homenagem, e não uma bajulação cega a um passado idealizado. O fato do protagonista voltar a Derry (cidade onde se passa o livro It, a coisa) e encontrar personagens do livro (como o piadista Richie Tozier e a traumatizada Beverly Marsh) é uma grande homenagem a si mesmo, e uma forma de criar um ?fan service? aos fãs de carteirinha do autor (que, neste exemplo, funcionara bem).
É inegável como o autor enfiou-se por debaixo da tortuosa historiografia relacionado ao fático 22/11/1963; sempre me interessei pelas histórias por detrás do atentado, e me impressionei ao pesquisar informações e descobrir que muito do que foi apresentado nas páginas é verdadeiro (desde o endereço da casa onde o atirador morara até o nome de um vizinho).
Sem spoilers, posso dizer que o final é arrepiante, um poético fim que mescla o melancólico com a realização de uma missão. Muito se diz que os finais de King são sempre trágicos ou heróicos, e aqui estamos no exato meio-a-meio. Impossível não se sensibilizar perante mais de 700 páginas, ainda mais quando percebemos que passamos mais tempo com os personagens do que com os membros de nossa família.
Ouso dizer que tornara-se um dos meus favoritos do King. Uma excelente porta de entrada para o autor. Recomendo fortemente.