spoiler visualizarde Paula 29/10/2022
Muito além do clássico
Mais um livro de horror lido no mês das bruxas. Quis algo clássico, que não fosse do King, porém sem ser algo gótico (vou ficar devendo Drácula por mais um ano...) e fui direto para o reconhecido clássico do cinema, que ainda não assisti, mas sei ser a obra prima de Roman Polanski, com muitos casos sobrenaturais nas gravações e a conexão com a tragédia pessoal de Sharon Tate, noiva e mãe do filho do diretor do filme. Sabia que a obra era derivada de um livro, e dele é que fui atrás, deixando um pouco de lado a famosa atmosfera hollywoodiana. Tenho que confessar, mesmo sendo tão fino, é um livraço! Me decepcionei ano passado quando li A Outra Volta do Parafuso que pensei ser um livro curto e denso, mas, no fim as expectativas foram mais altas que a experiência. Com o bebê de Rosemary foi o oposto, além da escrita ser deliciosa e acessível.
Tudo começa com a mudança do casal Woodhouse para o Bramford, um edifício em Nova Iorque conhecido por seus inquilinos cruéis e macabros, aquelas histórias muito conhecidas em cidades grandes sobre prédios mal assombrados, como o Martinelli e Joelma em São Paulo, onde realidade e fantasia se misturam no imaginário popular. Mas, ao contrário das lendas urbanas brasileiras, Bramford era um daqueles lugares luxuosos, onde apesar de ter um histórico, até recente, ignora-se o fato para viver do status. A partir disso, tem-se ideia do tipo de casal que Rosemary e Guy eram, o ator e a dona de casa jovens que querem ostentar. Não podemos dizer que eles foram avisados, por Hutch, o pai novaiorquino de Rosemary, que largou a família católica conservadora de Omaha e veio estudar na costa leste e encontrou um vizinho mais velho que tem este carinho de pai pela protagonista e tenta protegê-la.
Eles se mudam e a vida pacata tem alguns reflexos incômodos, do tipo que a todo momento você sente que tem algo errado. Quando Rosemary conhece Terri, a jovem, ex-drogada e recém adotada pelos vizinhos barulhentos e estranhos do casal principal, o que dá conforto a Rosemary e passa a ter uma vida mais tranquila no edifício, até o corpo da Terri ser encontrado espatifado no chão, após o suicídio. Neste momento, mesmo sem saber, a vida do casal mudaria para sempre. Eles conhecem e criam laços com os bondosos vizinhos, inclusive, Guy fica mais próximo do que a esposa e a sorte foi lançada.
Certa noite, Guy esquece de comprar a sobremesa e convenientemente a vizinha trás um delicioso doce, o que não é a opinião de Rosemary, mas ela é obrigada a comer por conta da pressão feita pelo marido. As conveniências acontecem o tempo todo no livro, assim como o gosto estranho de tudo o que vem dos vizinhos, principalmente a tal da raiz/erva tannis. O problema é que a personagem com a mistura de bebidas alcoólicas e o que quer que tenha sido colocado no doce para dopá-la deu certo, mesmo que não completamente, porque ela não comeu toda sobremesa, então ela ficou pendente na realidade, onde confundiu o que viu com sonho, em que foi estuprada por membros do culto satânico e levada pelo próprio marido, a fim de que ele tivesse sucesso na carreira dele. No dia seguinte ela amanhece dolorida e se sente violada pela violência que sofreu, porém seu marido diz que tudo aconteceu no próprio quarto e ele o fez. Este é o momento mais desesperador para mim, porque o autor deixa claro que ela sofreu um abuso, mesmo que aparentemente do marido, o que é uma crítica social importante para época e revolucionário, estamos falando dos anos 60, além de saber que esse assunto até pouco tempo era entendido de forma completamente diferente. Para mim, este é o momento de maior terror, assim como a trágica morte de Terri. O terror aqui é psicológico, mostrando o verdadeiro mal: os seres humanos.
Vamos descobrindo as coisas pelo olhar da Rosemary, como quando ela descobre que finalmente está grávida, um sonho seu, não do marido, mas parece que aconteceu pós a noite do abuso. Sua felicidade impede de ver com clareza algumas coisas. A sensação de que algo muito errado está rolando, como as fortes dores, a troca de obstetra, o afastamento de todos os amigos, como Hutch. Parece aquela coisa religiosa de não poder confiar em ninguém que não seja da mesma igreja. A gravidez parece estar sugando ela de dentro para fora, mas ela não pode se medicar, conta apenas com o suco de ervas da Minnie, com forte cheiro de tannis. Ela passa a usar o amuleto, o mesmo usado por Terri para se proteger, o que claramente não deu certo. Mas, para Guy as coisas estavam de vento em popa: seu principal rival ficou cego e as oportunidades choviam como nunca.
Rosemary se aproxima dos amigos, levanta suspeitas, ela se cura de uma dor que por cinco meses a atormentou instantaneamente, mas isso não passa desapercebido por Hutch e quando ele descobre tudo, entra em coma que desencadeia em morte. Mesmo assim, ele consegue revelar toda a verdade e Rosemary passa por um turbilhão de revelações nos últimos meses de gravidez, além de aprender da pior forma que não poderia confiar em ninguém vivo, tratada como histérica e louca. Então nasce seu bebê.
O final é cheio de reviravoltas sobrenaturais, mas nem tudo é revelado, por exemplo, o que de fato aconteceu com Terri? Ela sonhou ou o que viu foi real? É desesperador e angustiante pensar em como tudo se desenrola sem explicações, o fanatismo que a envolve e o egoísmo do seu marido ser tão absurdo. O que fazer com o Andrew John? Tem respostas que não podem ser dadas.
Livro extraordinário, com muitas críticas sociais importantes, que vai além do herdeiro de Satã, pontos delicados e sutis na narrativa que fazem a diferença até os dias atuais. Recomendo demais!