Sô 04/08/2015Livro digno de proporcionar pesadelos terríveis. Tudo pareceu muito surreal, muito Orwelliano, beira a ficção. Sabe aquele mundo de 1984?Aqui ele existe, e a semelhança é assustadora.
Nós acompanhamos a trajetória de basicamente seis norte-coreanos, e cada um com um perfil totalmente diferente: uma senhora de quase 60 anos que viu o surgimento do regime socialista no país; um jovem que conseguiu entrar na melhor faculdade de Pyongyang; uma moça que está no ponto mais baixo do sistema de castas; um “kochebi”, que são garotos órfãos, obrigados a encontrar o próprio meio de sobrevivência; uma médica que se vê presa a um sistema que não lhe oferece meios de ajudar o próximo e nem a si mesma.
Acontece sim uma lavagem cerebral pesada por lá, mas tem também essas pessoas que começam a se questionar. Principalmente quando assistem na TV (que é 100% controlada pelo governo) que o país conta com uma boa economia e que há comida e roupas para todos. Para todos, quem exatamente? Começam a olhar em volta e para a própria situação de total miséria e percebem que foram enganados esses anos todos. São números altíssimos de pessoas que morrem de inanição. Como um país inteiro pode sobreviver assim? É extremamente revoltante acompanhar essas partes.
Há um enorme culto à personalidade na Coreia do Norte em relação ao Kim Il-Sung, e até o momento que o livro foi escrito, em 2009, ao seu filho King Jong-Il. Há estátuas dos dois espalhadas pelo país, leis que obrigam que quanto maior o prédio, maior deve ser o retrato deles que estampa a fachada e são obrigatórios os retratos deles em todas as residências. Meio que Deus e Jesus Cristo e ai de quem não obedecer.
Os crimes em sua maioria são ligados ao desespero que a fome traz. São pessoas que roubaram fios de cobre ou começaram a comercializar algum produto no mercado negro. As penas são extremamente cruéis e exageradas, podendo ir de meses num campo de trabalho forçado até mesmo à execução.
Num contexto assim, não é a toa que muitos acabam tentando a sorte fugindo para a China, que é considerada a opção mais fácil. De lá tentam ir para a Coreia do Sul, já que a constituição sul-coreana prevê que apesar da divisão, a Coreia é uma só, sendo assim, os norte-coreanos são considerados cidadãos sul-coreanos, inclusive com direito a uma ajuda de 20 mil dólares para poderem se estabelecer inicialmente. Mas tem um porém, os norte-coreanos precisam encontrar um meio de chegar até a Coreia do Sul com recursos próprios para poder requerer o asilo.
Muitos sofrem com a adaptação já que desconhecem até coisas mais simples como um eletrodoméstico (a eletricidade foi cortada há um bom tempo na Coreia do Norte). Mas o mais difícil é se livrar do sentimento de culpa, de sentirem que não foram gratos o suficiente ao Grande Líder, tamanha é a lavagem cerebral. Se sentem traidores quando na verdade deveriam se sentir traídos.