MiCandeloro 01/07/2013
Absolutamente fantástico!!
Oi pessoal, estão gostando da Semana Neil Gaiman? Hoje trago para vocês a resenha do novo livro de Neil: O Oceano no Fim do Caminho, lançado no Brasil pela Editora Intrínseca.
O livro começa com um homem voltando a sua cidade natal para ir a um velório. O simples retorno àquela pacata região fez com que suas lembranças eclodissem e clareassem. Todo o sofrimento vivido em sua infância, suas dúvidas, temores, esperanças estavam novamente ali, dentro de si, mexendo com seus sentimentos. Ele sabia o que tinha que fazer, a única coisa que podia fazer e que tinha algum sentido, que poderia lhe acalmar, lhe devolver a sensação de segurança: ir até o fim do caminho e chegar no Oceano, no Oceano de Lettie.
E sim, desculpem, isso é tudo que posso falar para vocês. Não posso me atrever a contar mais nada, porque contar pequenos fragmentos da história não lhes faria nenhum sentido, e contar a história toda lhes estragaria o prazer de uma boa leitura!! Vocês terão que ficar satisfeitos com a sinopse (que já diz muito) e com meu breve relato acima.
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Mas sim, tem algo que posso fazer por vocês, dizer o que penso a respeito do livro e o que senti ao lê-lo. Para quem não sabe, esse livro possui diversas peculiaridades que pretendo explorar em outro post, mas já adianto que uma delas se refere ao fato de que ele é autobiográfico. Em O Oceano no Fim do Caminho, Neil nos conta um pouco sobre a sua infância, sob o olhar de um menino de 7 anos que vivia num mundo estranho de adultos que não o compreendia, solitário, sem amigos e cheio de medos.
Neil misturou fatos verídicos a uma fantasia obscura que me fez lembrar de sua outra obra, Coraline. O início da história é muito nostálgico e melancólico, porque retrata o adulto retornando às suas raízes e confrontando as experiências vividas quando criança, experiências essas que o transformaram no adulto que ele é hoje.
Me fez pensar no poder que o passado exerce sobre nós, afinal, nós somos quem somos por tudo que passamos e nunca deixaremos de ser quem fomos (confuso? mas é verdade! Neil nos ensina isso no livro). É incrível como somos capazes de guardar memórias. As guardamos tão bem guardadas que depois nem lembramos onde as escondemos. Mas basta um pequeno sinal, um cheiro, uma música, uma ínfima faísca para que elas se libertem, como um estouro de uma manada, ou como balões cheios de gás querendo alcançar o céu.
Uma vez feito isso, é como se elas nunca tivessem ido embora. Magicamente as memórias adormecidas preenchem novamente o nosso ser e se reintegram ao nosso eu. E juntamente com elas experimentamos uma explosão e profusão de sentimentos tão difíceis de suportar que nos faz questionar até que ponto tudo o que um dia vivemos foi real ou se tudo não passou do fruto da nossa imaginação. E foi exatamente isso que aconteceu com nosso protagonista, que após abrir o velho baú onde guardava suas memórias infantis, nos convidou a explorá-las e a embarcar numa mágica e assustadora aventura.
Recentemente escutei uma frase, ao assistir o seriado Da Vincis Demons, que me marcou: "O tempo é um rio. Mas o que a maioria não compreende é que o rio é circular", ou seja, nós sempre voltamos para onde viemos, e na minha opinião, foi exatamente o que aconteceu com o protagonista da história. A volta para a sua cidade da infância representa a volta ao seu passado, ao âmago do seu ser, para que ele enfim possa completar mais um ciclo da sua vida e seguir adiante.
Muitas vezes podemos não gostar do resultado "final" em que nos encontramos, eis que os adultos constantemente tentam se satisfazer com estímulos externos, seja buscando a realização de algum ato grandioso que lhes dê notoriedade ou mendigando pelo reconhecimento e aceitação dos outros. E definitivamente não é assim que as crianças funcionam. Essa passagem é praticamente a primeira metáfora explorada por Neil no livro e acho que foi a que mais mexeu comigo: o retorno as nossas origens, o confronto com o nosso verdadeiro eu: a nossa essência.
É difícil dar um significado às metáforas apresentadas no enredo, pois cada um vai interpretá-las de acordo com a sua própria bagagem, e Neil sabia muito bem disso. Por isso que ele deixou os significados do livro, ou a moral da história em aberto, para que cada um pudesse entendê-las de uma forma muito particular.
Ao mesmo tempo em que Neil escrevia uma história para si e sobre si, ele também escrevia uma história para a gente e sobre a gente, em que cada um pudesse se identificar e incorporar de maneira única o protagonista. Não foi a toa que ele não deu nome ao personagem principal, afinal, ele é o Neil, mas podia ser qualquer um de nós.
Quanto mais tento dar significado ao livro, mais me perco nas minhas indagações. Ele é tudo! Estou tão absorta pela história até agora e em tudo que vivi paralelamente lendo linha por linha que ainda não voltei ao mundo real, e espero que nem volte. No final a gente percebe que o livro não é para ser lido com a razão, não devemos investigá-lo tentando descobrir o porquê de cada detalhe que Neil pôs ali e por que da história ser do jeito que é, ou o que é real e o que é ficção, como se estivéssemos dissecando uma rã na aula de anatomia. Ele é... simples assim.
Portanto, não se preocupem se por ventura vocês deixarem de entender algo que o Neil quis nos dizer. O livro muitas vezes vai parecer confuso e sem significado, mas de repente tudo fica claro dentro da gente. E se ainda assim vocês não encontrarem o seu Oceano ao ler a história, não se desesperem. Tentem apenas curti-la e agradeçam por esse imenso presente que nos foi dado.
Mas devo alertá-los. Nesta história nos depararemos com muita fantasia: monstros, bruxas, sonhos, coisas sem sentido e terror sobrenatural. Teremos que passar por cada uma dessas etapas metafóricas até chegar ao nosso destino, O Oceano no Fim do Caminho. Porém, sei que nem todos são chegados nesse estilo literário, então para vocês meus caros, não sei se recomendaria essa leitura. Mas, para aqueles que não precisam de muito estímulo para se render a uma incrível jornada, por favor, subam logo a bordo e desfrutem dessa maravilhosa viagem sem fim.
Originalmente postado em http://www.recantodami.com/2013/06/semana-neil-gaiman-resenha-o-oceano-no.html