Katita2013 21/08/2013
Catarse e Redenção
Enquanto Agonizo não é um romance fácil. Devemos considerar essa obra de Faulkner como um animal selvagem que devemos domar. É uma obra "crua" com "gosto" de raiz extraída da terra e com cheiro de terra molhada. Poderá não agradar a certos paladares acostumados ao sabor de obras açucaradas e parco conteúdo, como as que predominam nos best-sellers atualmente.
A obra é "tosca", "crua", seja na linguagem e na forma, seja no conteúdo. Na forma porque Faulkner nesse romance se distancia da narração linear e previsível, como estamos acostumados. A narração é estilhaçada em pequenos fragmentos de textos. É como uma colcha de retalhos composta de relatos de como uma mesma situação é vivida pelas diversas personagens, e narradas pela mesma. O narrador desaparece e Faulkner faz falar diretamente as personagens, o autor se dissolve nas diversas vozes de seus personagens. Adentramos diretamente ao mundo interior de cada personagem.
A linguagem usada por Faulkner é tão enxuta, tão "seca" quanto os próprios personagens, mas ao mesmo tempo tão rica de significados como a rica simbologia contida no mundo dos mesmos. O tempo da narração avança e retrocede á medida que cada personagem nos relata como vivenciam cada situação da estória.
O tempo real da narração se mistura ao tempo psicológico das personagens, por vezes nos confundindo e requisitando da parte nossa muita atenção para não nos deixar arrastar pelo mundo conturbado, distorcido e conflituoso das personagens. É um estilo de narração "rústico", "cru", com o qual devemos "trabalhar", modelar, polir, limpar. E com a nossa devida participação ativa e alerta poderemos extrair o melhor que uma obra como essa pode nos presentear, como qualquer alimento que colhemos da terra, ao qual para digerirmos devemos prepará-lo devidamente antes. Assim é "Enquanto Agonizo", devemos doma-lo, devemos domestica-lo para extrairmos o que ele tem de melhor.
Tanto quanto sua estrutura e estilo, também seus personagens são rústicos e toscos. Eles se confundem com a própria natureza no qual vivem. Exalam de si mesmos esse tônus vital e selvagem típico dos seus cavalos e bois e das plantações de milho e algodão ao seus redores. Estão em total simbiose com a natureza.
São personagens afins com o cheiro de terra e gosto de raízes recém colhidas. A sintonia com a natureza é tal que a mesma, como em concomitância com o mundo conflituoso das personagens deflagrado após a morte da matriarca, se transmuta em temporais e ventos, enchentes e incêncio em absoluta sintonia com a purgação dessas almas atormentadas pela culpa e arrependimentos enquanto fazem a viagem de calvário com a carroça para atender o pedido da mãe de ser enterrada na cidade onde a mesma nasceu. O comovente nessas personagens é que exatamente por serem almas rudes, enraizadas na terra, e embrutecidas pelo labor diário na lida com a natureza, estão despreparadas, ingênuas que são, para as convenções e maldade sociais quando são obrigadas a deixar o mundo ao qual estão acostumados por força da morte da matriarca.
Por quê ler "Enquanto Agonizo"?. Para poder, talvez, sentir esse gosto áspero, esse sabor cru de um romance, que é curto mas, ao mesmo tempo tão denso de significado no seu conteúdo!. Para poder conhecer de perto personagens que de tão arragaiados á terra e a natureza se confundem entre si numa mistura tão singela e tão dramática. E por fim, para conhecer esse romance de Faulkner, que inovou a literatura mundial com seu estilo narrativo tão diverso na época em que lançou o livro, e que continua a sê-lo até hoje na minha opinião. Vale a pena o esforço.