spoiler visualizarNinah 17/11/2013
A Tsunami de ‘50 Tons’ invade a Biblioteca Pública de Nova Iorque
Por Ninah Alves
Há pouco mais de um ano o mundo sofreu consideravelmente com a tsunami que se deu com a trilogia de 50 Tons de Cinza. Avalanches de calcinhas molhadas foram expostas em praça pública por mulheres antes consideradas pacatas cidadãs e demasiadamente santas. O portal bondage, - antes guardado a sete chaves por seus seguidores -, foi revelado mundialmente para desespero daqueles que a todo custo tentavam encobrir a existência desse lado negro do sexo. Para aqueles que nunca tinham ouvido falar, um novo mundo de prazer era revelado e marcado com chicotes, correntes, vendas e verdadeiras demonstrações de submissão.
Aproveitando a onda, algumas autoras amplamente pervertidas, agarraram suas pranchas de surf e consideraram publicar suas obras revelando assim a quem fosse mais atrevido que elas, o que o submundo do BDSM era capaz.
No dito romance A Bibliotecária (Record: Tradução de Ryta Vinagre; 283 páginas; R$ 29,90; 2013), escrito pela publicitária e agente literária Logan Belle (pseudônimo de Jamie Brenner) que já foi traduzido para doze idiomas, a escritora nos conta um pouco a vida de Regina Finch que acaba de chegar a Manhattan para trabalhar na Biblioteca Pública de Nova Iorque.
Nas primeiras linhas, ela se preocupa em mostrar a insegurança de Regina em não conseguir passar na entrevista para o emprego dos seus sonhos, na forma elegante e despretensiosa que as nova-iorquinas se vestem em comparação a ela uma cidadã comum da Pensilvânia e em como uma recém mestranda em biblioteconomia e ciência da informação pela Universidade de Drexel acaba indo parar atrás de uma mesa de retirada. De então, vemos um obstáculo para a protagonista, que ao mesmo tempo se sente humilhada por sua chefe ao não ter considerado nada do seu currículo e intimada a provar que o diploma que carrega é muito mais que um papel timbrado em letras ornamentais.
A narrativa instigante do primeiro capítulo me levou rapidamente ao segundo, e lá encontrei uma Regina que além de insegura também sofria de problemas sexuais. Em nenhum momento a autora cita a idade da sua personagem, o que me leva a crer que com seu histórico escolar, universitário e o mestrado, ela tenha entre 27 e 28 anos. Fica claro que desde cedo, Regina sofre bullying por parte de sua mãe, que vê os homens como distração e ladrões de sonhos. Com isso, ela se reversa, estuda, se toca na calada da noite e os poucos namoros que consegue ter são tão decepcionantes que não são dignos de uma boa noite de amor. Também confesso que ao ler o segundo capítulo e notar que Regina divide o apartamento com uma estudante universitária, que tem uma vida social ativa e regada de aventuras sexuais e que a cada dia leva um homem diferente para o apartamento estranhei como essa relação um dia poderia se tornar uniforme.
Naquele momento me vi pensando que somente a falta de dinheiro levaria uma personagem tão intelectualmente criada pela autora, - apesar das suas insegurança e tormentos psicológicos -, interagir com outra que não passa de uma patricinha, mimada, filhinha de papai e fútil.
Em contrapartida, Regina além de sofrer com o mal humor constante da sua chefe Sloan Caldwell, acaba por fazer duas importantes amizades no trabalho: Alex (estudante da NYU, bonitinho e estranho) e Margaret (uma bondosa e inteligente senhora que é arquivista da biblioteca).
Um dia, após recusar-se almoçar com Alex, Regina decide passar na sala da curadoria a fim de convidar Margaret para o almoço, só que ela acaba declinando do convite por motivos pessoais. Com isso, Regina resolve em sua monotonia passear pela biblioteca enquanto volta para os jardins a procura de Alex para almoçar e se depara com uma sala reservada e lá dentro depara-se com uma cena arrebatadora e chocante: um homem alto, cabelo escuro e desgrenhado, olhos negros, feições e corpo esculturais penetrava com voracidade uma mulher que estava encurvada sobre um banco de mármore.
Posso dizer que aqui é o ponto focal do livro, onde este se revela erótico, e nada mais do que isso.
Em todo tempo que perdi lendo 283 páginas, notei que a autora detinha uma grande estória nas mãos e a jogou fora, tornando o livro maçante e com cenas desgastantes que vai da ida de Regina a uma boate de burlesco com Carly (colega que divide o apartamento), a cenas eróticas e de submissões forçadas. Até o convite para um jantar de negócios entre ela e Sebastian Barnes me pareceu forçado e rápido demais.
As mulheres que já leram esse livro e que gostaram de 50 Tons, deve ter sentido diferença só nas cenas que não são tão promíscuas e baixas e até devem achar que Sebastian Barnes, é o mais novo discípulo de Christian Grey, mas digo que assim com Christian, Sebastian tem tanto dinheiro quanto e é tão louco/psicótico/possessivo quanto.
Não consigo compreender o que se passa no momento criativo de uma autora que produz uma personagem bonita, cheia de requisitos e com a plena capacidade de conhecer O príncipe encantado (por mais que este não exista!), mas em contrapartida, a põe com bloqueio sexual, virgem e que se depara com um homem tão bonito e arrebatador na sua forma humana que só em respirar perto dela, já sente as pernas bambear.
Nesse momento eu deveria largar o livro e parar de ser idiota ao ponto de acreditar que existiria algum romance, pois em uma trama onde a personagem é seduzida, compelida a jantar com o investidor mais importante da instituição, obrigada a ouvir que suas roupas não são adequadas para ocasião e que uma pessoa a esperaria em um quarto de hotel, a fim de ajeitá-la e no fim da noite ler uma conversa como esta:
“- Posso lhe dizer uma coisa? – indagou ele. Algo em sua voz e no modo como seu olhar passou dos olhos aos lábios de Regina deixou-a com o corpo tenso.
- Sim – sussurrou.
- Eu penso em trepar com você na biblioteca.
O sangue tomou seu rosto. Ela baixou seu rosto para a mesa. E então, entre as pernas, sentiu uma pulsação apavorante de desejo. “
Pág. 70 e 71
O livro além de ser totalmente sem cultura, é podre na linguagem. E é claro que veio o desejo de Regina, o livro é erótico, e com o isso, ela foi levada para casa por Sebastian e não parou de pensar nele um só segundo e assim que se viu sozinha em seu quarto iniciou a tarefa de se tocar igual uma louca desvairada.
O efeito Sebastian atingiu em cheio a Regina. A autora conseguiu mais uma vez mostrar a incapacidade da personagem de controlar seus atos e escolhas como ser humano, mas o efeito que ela quis passar para as leitoras não me atingiu nem um pouco. Sinceramente, nem me arrepiou. Fez tudo parecer normal, sensual e até criou um momento propício para o jantar... Sebastian: O sedutor, O inteligente, O graduado em literatura, que entende de moda, de vinhos, de mulheres, de prazer sexual, mas que tem uma linguagem chula que dá ânsia de vômito.
Desse acontecimento em diante, Sebastian começa a investir em Regina e contrata uma moto-girl para lhe entregar um convite para uma exposição de fotos, uma sacola de compras com lingerie e um par de Louboutins, nestes dois últimos presentes ele é bem incisivo ao escrever no recado que deseja que ela vista as peças imediatamente, o que ela recusa, provocando a ida dele até sua casa para convidá-la a tomar um vinho.
Toda essa insistência traduz claramente que o homem tem sério problema em aceitar que uma mulher o acha tão atraente que ele chega a dá medo, então ela se recusa a sair com ele. Regina se recusa a vestir a roupa de baixo para Sebastian e desfilar pra ele em sua sala com o par de Louboutins (por mais que queira!), ela se recusa a ler o livro da Bettie Page que ganha de presente dele na primeira vez que se encontram, nesses poucos momentos, achei que a personalidade de Regina estava moldada, que apesar das suas inseguranças e temores ela era um mulher de decisão. Mas me enganei!
Ela se torna submissa, se entrega a Sebastian que no primeiro contato que tem com ela, a enche de tapas nas nádegas, como se fosse uma criança que apanha para ser educada. Mas é isso que ele faz, em todo o livro. Ele a educada! A insere no mundo do bondage, a trata como objeto sexual. Regina então perde sua individualidade para se tornar escrava de Sebastian que controla seus horários, vigia seus passos e a castiga de diversas maneiras.
O mais engraçado disso tudo é que ela gosta! Ele inflige medo e prazer a ela. A presenteia com uma colar de cadeado de ouro com diamantes para que todos saibam que ela é sua propriedade. E em meio a esse jogo de sedução, onde só ele sai ganhando, cada dia que Regina é impelida a testar novas técnicas mais ela se pergunta porque ainda continua com Sebastian.
O famoso complexo do patinho feio vem à tona em caráter sexual e na forma mais fétida e submissa que se possa imaginar. A priori a relação é totalmente unilateral. Sebastian paga para os afazes de Regina e é bem traduzido que tê-la se tornou um desafio, ainda mais quando descobre que era virgem. Sem falar que o fascínio de Sebastian por Regina vai além, posso dizer aqui, que ele, como fotógrafo, vê nela a personificação da Bettie Page, a pin-up mais famosa de todos os tempos que largou a profissão de secretária para se tornar modelo erótica em fotos P/B. Fotografá-la agora é sua meta, contudo isso é a única coisa que Regina ainda é capaz de negar a ele.
Existe até um momento, uma pequena faísca de esperança, em que Regina grita: “Basta! Já chega!” Na verdade, não foi bem com essas palavras, mas eu gostei da hora que ela decide recuperar o pouco da decência que ainda tinha e dá um basta na relação com Sebastian ao descobrir que ele sabia tudo sobre sua vida, e ela, pouco sabia sobre dele.
Com isso começa o drama mexicano, - se fosse mexicano seria bem melhor! -, em que ela chora nos braços da colega de apartamento, se pergunta porque entrou nessa, admite pra si que o sexo era bom, que sente uma necessidade intensa do Sebastian e que ele deveria ter contado a ela que já ‘trepou’ com Sloan (sua chefe) e que teve com ela um caso de submissão bondage.
Depois desse emaranhado todo de cenas de sexo, a autora resolve explorar o lado problemático de Sebastian. Que além de se achar o bambambã no BDSM, também é egoísta, tem problemas com o pai, acha que causou morte da mãe e usa da dominação como uma muralha, a fim de se proteger de todos os males que o amor pode causar.
E foi tão ridículo a forma como ela tratou o romance deles que a vontade que tive foi de rir. Faltando cinquenta páginas para o fim do livro, ela transformou Sebastian em um homem mais aberto ao diálogo, sem medo de demostrar que estava apaixonado e pronto para qualquer desafio, até livrar Regina do colar de submissão e convidá-la para morar com ele.
Embora Regina deixe bem claro que a sua vida é biblioteca, sinto informá-los que a autora perde o foco quanto ao trabalho da protagonista quando a entrelaça em todo erotismo com Sebastian. Outro foco também perdido foi sobre o passado de Regina, que até é citado no começo e meio do livro, mas depois desaparece como se nunca tivesse existido.
Livro lido, arquivado na estante e com nota dois (2.0), pois ele pode não ter me acrescentado nada em termos culturais, mas valeu a ousadia da autora em inventar uma estória erótica em meio a uma biblioteca pública.
Conclusão: Não indico o livro, a menos que você tenha gostado da leitura de 50 Tons de Cinza
Resenha feita em 17/11/13. A prática do plágio é crime previsto no Código Penal em seu artigo 184.
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