Otávio - @vendavaldelivros 15/10/2020
“- Guerra agora, que é você que está amarrado aí. Quando é um de nós que está amarrado, não é guerra, é expedição punitiva”.
Eu tinha expectativas muito altas com Viva o povo brasileiro. Tão altas que eu tinha receio de ler o livro e acabar me decepcionando, então adiei por um tempo até achar que era o momento. Assim, quando comecei a ler e encontrei nas primeiras páginas um português um tanto quanto rebuscado e uma leitura pouco fluída pensei que havia criado expectativas altas demais em um livro. Como eu iria encarar quase 700 páginas desse texto? Será que acabaria abandonando um livro depois de tanto tempo? Eu mal sabia que estava começando um dos melhores livros que já li na vida.
Em Viva o povo brasileiro, o baiano João Ubaldo Ribeiro propõe contar a história do Brasil de meados dos anos 1650 até 1977, através de personagens fictícios que interagem com momentos históricos reais. Índios, caboclos, escravos, holandeses, portugueses, barões e toda a sorte de personagens fazem parte de uma história que vai e volta no tempo, explicando conexões e estruturas que são construídas ao longo do livro.
A gigantesca força de alguns personagens é quase indescritível. É impossível não sentir as dores de Dafé e, ao mesmo tempo, se envolver com sua liderança, sua missão e suas crenças. Impossível não se sentir amigo de Patrício Macário, sua relação com o Exército, sua compreensão das desigualdades sociais e das injustiças que estão entranhadas nas bases desse país.
Há muito tempo não me sinto feliz ou orgulhoso do povo brasileiro. Ao contrário, sigo cada vez mais descrente de que esse país possa dar certo. O livro de João Ubaldo Ribeiro, escrito em 1984, é uma aula sobre as injustiças e desigualdades que formaram o Brasil. Escravizados que foram libertos sem nenhum tipo de suporte do Estado, a Revolta de Canudos, a Guerra do Paraguai, a Ditadura e mais tantos fatos que desaguam no país que temos hoje, desigual e injusto. Viva o povo brasileiro escancara a desigualdade latente e estrutural desse país e mostra, com exemplos práticos, como tudo isso acontece há séculos, com a anuência de quem de fato é dono do capital.
Eu, sinceramente, não me sinto capaz de expressar o quanto esse livro me impactou, e quão importante e necessário ele é para a compreensão desse país. Mas, mais do que isso, Viva o povo brasileiro é uma obra absurdamente deliciosa de ser lida. Um humor irônico permeia o livro inteiro, mesmo em momentos duros. A escrita de João Ubaldo é poesia pura, mas é acessível, fluída e viciante. Um livro épico, em todas as formas, com personagens inesquecíveis e passagens marcantes. É tanta coisa boa que a única coisa que posso falar é: Leia Viva o povo brasileiro. Poderia escrever horas sobre esse livro e ainda assim não conseguiria transmitir a intensidade dessa experiência. Sorte a minha não ter desistido nas primeiras páginas e ter tido a prova de que minhas expectativas não foram altas o suficiente. Sorte a nossa ter tido a honra de ter, nas fileiras de nossa história, João Ubaldo Ribeiro.