Andrea 13/06/2021Experiência essencialmente incômoda, por isso é tão bom!Terminei de ler ?A metamorfose? ainda em abril, mas demorei até conseguir me concentrar para escrever sobre esse livro. Talvez por ser um clássico marcante, me pareceu injusto resenhá-lo de qualquer forma.
Li pela edição da editora Antofágica que traz ilustrações tão belas quanto agoniantes e que conseguem transmitir a atmosfera angustiante e claustrofóbica (em si mesmo) que o personagem principal, Gregor Samsa precisa enfrentar depois que um infortúnio - usando eufemismo - que lhe ocorreu: de uma hora para outra, num belo dia, acordou transformado em um inseto monstruoso.
Apenas a sinopse descrita acima, já é o bastante para despertar no mínimo estranheza e curiosidade em qualquer leitor. ?O que terá acontecido ao homem? Como sua família reagiu à situação? Afinal, ele consegue voltar a sua forma anterior??. Essas foram algumas das dúvidas que me levaram a ler esse livro. Porém, devo adiantar que apresentar respostas claras e explicações detalhadas não são o objetivo do autor nessa novela. Mas, isso não faz do livro menos interessante, muito pelo contrário. A narrativa se concentra na condição miserável ao qual um homem, até então, respeitado por sua família, com um emprego que lhe possibilitava sustentá-los e ainda pagar suas dívidas (a família devia bastante), passa a ser desprezado como algo nojento, inconveniente e desnecessário. Sem que ele possa sequer argumentar algo em seu favor, uma vez que perde a capacidade de se comunicar com outros seres humanos, mas, ainda assim, consegue entendê-los.
O fato de Gregor compreender tudo o que está se passando com a família e eles não o compreenderem e suporem que ele não os compreende torna os eventos desesperadores. De um lado o nojo, a vergonha e o medo que as pessoas que vivem com ele passam a ter de vê-lo em seu quarto, a vontade de escondê-lo e de que deixe de existir e deixe em paz a pobre família. Do outro os sentimentos que o personagem passa a nutrir sobre si mesmo após perceber o incômodo que passou, sem querer, a causar naqueles a quem ama.
Ao ler esse livro me passou pela cabeça várias situações semelhantes à rejeição sofrida pelo protagonista. Desde preconceitos contra quem temos dificuldade de compreender; situações severas de depressão e marginalização, etc. Mas o que inegavelmente dominou meus pensamentos durante a leitura, foi a completa, óbvia e aterrorizante inépcia que temos - e continuamos tendo, impressionantemente - para respeitar e lidar minimamente bem com aquilo que não é humano, que não é familiar e que não é igual a nós. Tudo o que não lembra o que consideramos bom, belo, normal, adequado ou desejado é preciso afastar, excluir e extirpar. Um medo irracional, muito comum à espécie que se autointitula racional.
Não há desenrolar calmo para uma história cuja premissa é a de ?A metamorfose?, no entanto, o autor deu ao livro o final que ele merecia: um desfecho perturbador para uma história perturbadora. Aprendemos mais quando somos convidados a empatizar (essa palavra existe?) com quem não parece merecer empatia, quando somos submetidos e presenciamos as vivências daqueles com quem não nos importamos normalmente. Daqueles que assim como Gregor estão em posição de ?seres desprezíveis'.
13/06/2021