jota 20/04/2014Famílias felizes...Durante a leitura de O Jantar naturalmente fui me lembrando do livro de William Landay, Em Defesa de Jacob, que li recentemente. Há muitos pontos em comum entre a história contada por Landay e a do holandês Herman Kock, até demais. Mas se dei 5 estrelas para a o livro do americano, o de Kock mereceria 6 ou mais.
Ambas são obras tensas, muito bem escritas, que versam sobre o que as pessoas são capazes de fazer para proteger aqueles a quem amam, especialmente quando se trata de pais e filhos, de uma família. E logo nas primeiras páginas de O Jantar vem aquela famosa frase de Tolstoi, da abertura de Anna Karenina: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”, que tem muito a ver a história de Kock.
O que o holandês faz com maestria, penso, é subverter completamente a citação do russo (ou a primeira parte dela), através da história desse jantar. Ou melhor, da história de Paul Lohman, o narrador, um ex-professor de História, de sua mulher, Claire, e do filho Michel. O filho não participa do jantar, que tem ainda como comensais Serge, irmão de Paul, e a esposa dele, Babette.
Muita coisa se fala e se discute à mesa: a ideia do encontro foi de Serge, que tem algo grave para revelar ao irmão e à cunhada. Depois de muita conversa ficamos sabendo que os filhos deles possivelmente estejam envolvidos num crime que chocou os holandeses recentemente. Serge quer resolver esse assunto logo, o que vai significar uma brusca mudança em seu plano de vida. E necessariamente nos dos demais protagonistas.
O cenário principal do encontro é um caríssimo restaurante em Amsterdam e o jantar parece interminável, mas contamos com recuos e avanços no tempo proporcionados pela narrativa de Paul e indispensáveis para que as coisas aos poucos comecem a fazer sentido ou se tornem mais claras. Mas antes que tudo venha à tona, Paul nos guia pelos caminhos e descaminhos de sua narrativa incomum: as surpresas e descobertas vão ser muitas para o leitor.
É impossível não se render aos seus comentários espirituosos - ou maldosos - sobre restaurantes caros e seus funcionários, políticos, professores, alunos, diretores de escolas, comportamento dos holandeses no exterior, etc. Ficamos sabendo que Serge é candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições e compreendemos que ele é exatamente um sujeito que se deu bem na vida, do tipo que Paul parece não invejar, mas odiar. Enfim, ele diagnostica no irmão todos os defeitos que acredita que as pessoas bem-sucedidas portam consigo.
O Jantar é um romance com suspense acentuadamente psicológico (e fazendo um trocadilho, também patológico), com vários fatos esclarecedores – e estarrecedores - servidos entre os aperitivos do início do jantar e os digestivos do final, que permitem perceber e avaliar o comportamento dos personagens principais. E já nas páginas finais, quando você entende completamente o que está acontecendo ou aconteceu, ainda tem mais uma revelação ou duas.
Então contar mais alguma coisa aqui seria entregar parte da história envolvente que o holandês Herman Kock criou com muito talento e inteligência, capaz de prender fortemente nossa atenção o tempo todo e fazer com que não queiramos largar o livro até que a última linha seja lida. Comigo foi assim.
Lido entre 18 e 20/04/2014.