Amanda 01/12/2018Contos curtos e impactantesKaren Alvares não se cansa de me surpreender com suas histórias de terror. Depois de Alameda dos Pesadelos, eu simplesmente precisava ler mais da autora, conhecer sua evolução como escritora (e que evolução!), e Horror em Gotas foi uma escolha óbvia, até porque eu adoro contos. Costumam ser leituras rápidas, leves e simples, porém quando são engenhosos conseguem ganhar o coração do leitor com a mesma eficiência de um bom romance. Bem, eu não poderia esperar que fossem leves, mas os contos da Karen são, sem dúvidas, engenhosos.
Não convém falar sobre cada conto aqui porque são muitos e alguns bem pequeninos, e eu correria um sério risco de me estender. Ao invés, prefiro começar dizendo que o clima tenebroso percorre toda a coletânea, entremeada de terrores palpáveis, cotidianos e muito realistas e outros mais sobrenaturais e até mesmo fantasiosos, mas que mexem com a nossa imaginação e nos causam arrepios da mesma forma. Karen é ótima em criar aquele clima pesado na narrativa, ambientando o leitor em um cenário pavoroso com poucas palavras. Acho que o segredo disso é a empatia fácil que acontece com boa parte de seus personagens, nos levando a trocar de lugar com eles e vivenciar breves momentos de horror.
Em alguns contos nos sentimos inevitavelmente presos à narrativa, como se uma força maior nos impelisse para a história e nos fizesse suar frio ao sequer pensar em passar por certa situação. É o caso de Game Over, um dos meus contos favoritos na coletânea e também um dos mais perturbadores. Perder o controle sobre o próprio corpo, sobre as próprias ações, é um medo que sempre viveu no nosso imaginário e Karen sabe como nos conduzir pela história de maneira inteligente e cruel.
Outras histórias brincam com temas recorrentes no universo do horror, medos muito antigos e arraigados na nossa essência, como em O Filho Maldito, O Homem Sem Rosto e Monstro, três contos excelentes, de nos fazer virar as páginas convulsivamente numa curiosidade mórbida para chegar ao final. Ainda que sejam temas já largamente trabalhados em diversas mídias, Karen faz desses clichês do terror seus aliados e empresta seu próprio tom às histórias, nos impregnando com suas releituras e versões horripilantes. E por falar em versão, sua A Dona Aranha, nossa velha conhecida das cantigas infantis, é maravilhosamente terrível e macabra. É lindo de ver como Karen tece seus contos com a maestria de uma veterana.
Mas os meus contos favoritos são aqueles em que Karen explora o terror que encontramos no dia a dia, tão realistas que nos sentimos sufocados com a narrativa. Gato Vadio é um dos melhores contos de terror que li recentemente. É frio, cruel e absurdamente real, me remetendo fortemente à escrita dura de Rubem Fonseca. Este é o conto adicionado à coletânea na edição comemorativa de três anos, e foi um acréscimo muito bem-vindo. Existe uma diferença perceptível no nível de escrita de Karen, um refinamento muito bonito. A autora, que já é minha escritora de terror nacional favorita, conseguiu se superar. Focinho de Porco também merece destaque, um horror tão palpável que nos tira o fôlego. Novamente aqui a autora demonstrou ser capaz de nos arrebatar em tão poucas páginas.
Mas O Sorriso... ah, esse não tem comparação. Que conto! Um terror tão brutal, tão terrivelmente próximo da nossa natureza, da nossa realidade... O último conto do livro, a última gota de horror, é a mais amarga e nos deixa com lágrimas de dor e indignação. Seria o pior terror aquele que nos espreita das sombras da realidade e nos atinge quando menos esperamos? Eu acredito que sim, e a Karen retrata isso de forma marcante.
Como ocorre com qualquer livro de contos, nem todos mantém o mesmo nível, mas o que importa é o saldo final. Horror em Gotas acerta em cheio em boa parte dos contos e nos conquista de pouquinho em pouquinho, fazendo desta uma leitura perversamente prazerosa. Se você nunca leu nada da Karen Alvares, essa é uma oportunidade perfeita.