melissa 05/06/2015Doses de diárias de vários tipos de horrorHorror em Gotas é uma coletânea de 30 contos. Isso mesmo, dose diárias de 1 por dia. Certamente que essa é uma forma deliciosamente macabra de apreciar o trabalho de Karen Alvares, que traz mais uma vez ao leitor histórias que misturam o bizarro, o insólito e o sensível em contos que apresentam diversas formas de terror.
Em primeiro lugar, acho interessante dividir essa antologia em cinco grandes tipos de contos de terror: 1) contos de terror psicológico – aqueles que lidam com medo, ansiedade, sem necessariamente apresentarem a causa ou o rosto do horror; 2) contos fantásticos – aqueles que têm um elemento insólito, fora do real, que no caso desse livro, possuem uma roupagem de terror; 3) terror real – que seria uma categoria que inventei pra falar de serial killers, assassinato, tortura e afins; 4) horror – histórias que lidam com horror mesmo, a cara feia que dá medo, o monstro abominoso, a ação mais violenta totalmente gráfica; e, finalmente, 5) terrores da vida – contos em que o terror aparece mais como um elemento do cotidiano como medo de morrer, medo de perder alguém, etc. As categorias não têm base teórica, são meramente usadas para resenhar essa antologia. Lembrando que alguns contos, se analisarmos bem, podem fazer parte de duas ou mais categorias.
Na primeira categoria, terror psicológico, temos os contos: “Azul”, “Você é um demônio”, “Doze”, “Monstro”, “O Homem Sem Rosto”, “O Perfume da Morte”, “Frequência Infernal”, “A Caixa Mágica”, “Sufocando” e “O Silenciador”. Meu favorito dentre eles é certamente “Azul”, o conto que abre o livro. Nele, a protagonista, Nora, encontra um homem azul em um ônibus e a partir desse dia fatídico, começa a desenvolver uma estranha obsessão, tornando seu mundo, literalmente, azul. O conto tem seu quê de fantástico, mas existe uma tensão que flerta com o terror psicológico. Gostei do equilíbrio frágil entre os dois elementos e a resolução me deixou bastante satisfeita.
“O Reino da Morte”, “Game Over”, “O Grito Sufocado”, “A Estrada”, “Céu de Diamante” e “Homem Três” são exemplos de contos fantásticos nesse livro. Meu favorito é “Céu de Diamante”, uma mistura da música dos Beatles “Lucy and the Sky with Diamonds” com Neil Gaiman. A protagonista, uma garotinha, encontra a Outra Menina e vai com ela para um estranho mundo onde todas as crianças são felizes. O preço que ela vai ter que pagar? Bem, só lendo o conto para descobrir. O tom é infantil, mas tem um quê de macabro.
Terror real é o tipo de terror que mais me incomoda, eu diria, porque sou sugestionável e fico com medo desse tipo de coisa facilmente. Exemplos dessa categoria no livro são “Focinho de Porco”, “Vermelho Vivo e Morto”, “Experimental”, “Até o Fim”, “No Final do Túnel” e “Confissão”. O que mais me chamou a atenção foi “Focinho de Porco”, a história de uma jovem presa política que está sendo torturada para falar o nome de seus companheiros. Não vou contar mais do conto porque seria dar spoiler, mas gostei do modo como os sentimentos dela foram descritos e o final me surpreendeu muito.
De horror propriamente dito, temos “O túnel”, “O filho maldito” e “A Dona Aranha”. O último foi o que mais gostei, sendo ele um diálogo sinistro com a música infantil de mesmo nome. Uma menina num orfanato onde uma estranha lenda corre: no porão, algo monstruoso se alimenta das crianças. Quando ela e um colega são postos de castigo no porão pelas freiras, bem, vamos só dizer que a dona aranha começa a subir pela parede…
Terrores da vida são os contos que apresentam um toque mais sensível ao livro. São eles: “Na Estrada da Vida”, “Invisível”, “Tique-Taque” e “O Sorriso”. O conto que fecha o livro, “O Sorriso”, ganhou meu coração. Nele, Tiago, um menino com uma rara síndrome que afeta sua cognição e coordenação motora, faz seu primeiro amigo. Certamente é um dos melhores contos que a Karen já escreveu, colocando no papel de forma bastante sensível e honesta, a realidade de um garotinho que sofre diariamente com várias limitações físicas e preconceitos. E sim, tem um elemento de terror nesse conto, e é aí que as coisas ficam complicadas para Tiago e muito emotivas para o leitor.
Horror em Gotas é uma boa porta de entrada para quem quer conhecer o trabalho da Karen Alvares, justamente porque ele faz um passeio pelos diversos tipos de terror que a autora escreve. Além do mais, os contos são curtos, então se você não gostou de algum, é fácil partir para o próximo e experimentar algo diferente.
Eu diria que os contos vão de bons a excelentes. Alguns são perceptivelmente contos mais antigos da autora, ainda um tanto imaturos, mas os mais recentes, certamente já mostram um estilo definido e maturidade de escrita. Recomendo para quem deseja uma leitura rápida (afinal, um conto por dia!) ou mesmo para quem gosta do gênero.
site:
http://livrosdefantasia.com.br/2013/12/03/horror-em-gotas/