Jon O'Brien 25/09/2017
Final arriscado
Grande Irmão é o segundo livro que leio da Lionel Shriver. Eu conheci sua escrita, como acho que a maior parte das pessoas conheceu, a partir do livro Precisamos Falar Sobre o Kevin. Eu o li ano passado, mas não escrevi uma resenha na época — não tinha blog e não era familiarizado em escrever esse tipo de texto —, e fica difícil escrever agora, devido a memória fraca. Amei Precisamos Falar Sobre o Kevin, e amei — de uma forma completamente diferente — Grande Irmão. Quer saber por quê? Acompanhe a resenha!
Grande Irmão é um livro de peso escrito com maestria por uma autora que gosta de alfinetar o modo como as pessoas dos Estados Unidos tratam as próprias pessoas dos Estados Unidos. A capa, apesar de ser simples, já deixa claro sobre o tema que será abordado — a obesidade mórbida. Acredito que pelo fato de apenas mostrar a silhueta do personagem, o que deixa a capa ainda mais simples, enaltece o fato de que é nisso que as pessoas costumam reparar em primeiro lugar ao ver alguém bem cheiinho: na silhueta.
O livro conta a história de Pandora Halfdanarson, uma mulher de meia-idade que mora com o marido, Fletcher, e os enteados, Tanner, um rapaz de dezessete anos, e Cody, uma menina de treze. Ela trata os enteados como seus próprios filhos, e sua vida é aparentemente boa. Ela é dona de uma empresa chamada Baby Monotonous, que faz bonecos personalizados caríssimos. Por ser uma mulher bem-sucedida, dá a entender que ela vive uma vida desgastante, mas ainda assim boa. A parte do “desgastante” é totalmente verdade.
Um dia, Pandora recebe a ligação de um amigo do irmão dela, dizendo que Edison não tem onde morar. Ele, antigamente sendo um concertista em ascensão, agora aparentemente está no fundo do poço, e precisa recorrer à irmã porque não tem mais ninguém. Contrariando Fletcher, Pandora envia uma passagem de avião para Iowa, e se surpreende ao encontrá-lo no aeroporto, aparentemente com mais de 100kg acima do peso! Em casa, Fletcher se irrita com o comportamento devasso de Edison, e depois de algum tempo Fletcher dá um ultimato: ou Pandora escolhe a ele ou escolhe ao Edison. Pandora escolhe o irmão, fazendo um proposta para ajudá-lo a emagrecer. O livro fala sobre a comida e o uso que fazemos dela para preencher vazios emocionais. Esteja preparado para refletir.
Assim como a Gillian Flynn tem o estilo de pesar cada palavra nos nossos ombros, nos obrigando a sentir a dor que o personagem sente, Lionel Shriver também faz isso, mas de uma forma mais indireta. Em Precisamos Falar Sobre o Kevin, nos deparamos com um livro pesado, e em Grande Irmão não é diferente. A narração da Pandora é tão brutal e honesta que nos faz pensar que aquilo está acontecendo na nossa frente, mas que não podemos fazer nada em relação a isso. No início, fiquei chocado com o tamanho do preconceito contra Edison, e fiquei ainda mais chocado quando percebi o quanto seu sofrimento era grave.
Lionel Shriver mostra de forma sincera como a obesidade afeta toda uma família, e nos faz questionar se realmente somos capazes de proteger aqueles que amamos deles mesmos. A narrativa pode parecer, em alguns momentos, enfadonha, mas se você for fã de se sentir no ambiente onde se passa a história e estiver disposto a encarar uma história pesada, esse é o livro para você. Lionel Shriver ambienta sua história em um espaço e tempo realmente existentes, onde é até citado catástrofes naturais que realmente existiram. Isso apenas faz com que a história pareça ainda mais bruta e honesta e perturbadora e tudo mais de chocante que você pode imaginar.
Eu pude perceber que os livros da Lionel são difíceis de serem engolidos, mas num sentido que não estamos acostumados a ver. Justamente pelo fato de a escrita da Shriver ser pesada, você não se sente confortável para ler vários livros dela, um seguido do outro. Cada leitura precisa de um preparo mental antes do início, e precisa também de um momento de calmaria para só depois partir para algo do gênero.
Foi o final que muitas pessoas não aprovaram, e eu até mesmo entendo o argumento delas. A reviravolta que a autora vez foi absurdamente arriscada, tão arriscada a ponto de eu pensar que é daqueles livros que ou você ama ou você odeia. Depois de terminar a obra, fiquei me perguntando se tinha realmente gostado, porque eu não conseguia dizer exatamente o que senti em relação àquele final. Entretanto, depois de pensar por algum tempo, deduzi que o livro foi inteiramente honesto e tanto o começo, como o meio e como o final fizeram sentido.
Recomendo a leitura para quem quer refletir sobre um problema tão social, mas ao mesmo tempo tão pessoal.
CITAÇÕES
“A indústria da dieta é o único negócio lucrativo do mundo com um índice de insucesso de 98%.”
“[…] e, quando alguém não confia na sua autoridade, na verdade não a tem.”
“Talvez o maior favor que um cônjuge possa fazer ao outro seja fechar os olhos para o que o parceiro não consegue relevar.”
“[…] querendo ou não, somos um o quê para as outras pessoas. Você pode não reconhecer suas coxas grossas ou seus olhos de centáurea azul, mas elas reconhecem, e a interação competente com o resto do mundo envolve a manipulação dessa imagem irrelevante e arbitrária do não eu até o limite máximo.”
“E a verdadeira dificuldade não é algo que a gente procure e ache, mas uma coisa ou alguém que nos encontra. Não a escolhemos. Isso é parte do que a torna difícil.”
“Grande parte do ato de comer é a expectativa. Repetição e memorização. Em tese, a pessoa deveria poder comer quase inteiramente na cabeça.”
“O fracasso permite a libertação.”
“Mas não acho que o fundo do poço seja terapêutico porque finalmente se chega ao ponto em que as coisas não podem piorar. As coisas sempre podem piorar.”
“Ficava pensando em por que as pessoas tentavam realizar fosse o que fosse, já que a consecução de qualquer objetivo trazia implícito um desolado Bem, e então? O que vem agora?”
“Talvez seja impossível habitarmos nossas próprias realizações, por nos prendermos à busca em si, a seu ímpeto, a sua viciadora carga de anfetamina e a seu potente senso de propósito, de modo que o cumprimento de qualquer missão traz uma sensação de perda, na qual toda essa energia e direção são substituídas por uma calma em cujo halo os esforços logo se inquietam.”
“Quando reverenciamos alguém, fechamos os olhos para as informações mais complexas ou desanimadoras que o fazem baixar um pouquinho de nível, mas que também o transformam numa pessoa real.”
“Por mais incômoda que seja uma deficiência, a saciação é pior.”
“É impossível medir o que devemos às pessoas. A qualquer uma, é claro, mas sobretudo aos parentes consanguíneos, porque, tão logo começamos a calcular quanto somos obrigados a dar, tão logo começamos a fazer o monitoramento, a fracionar a benevolência distribuída, estamos fritos.”
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