spoiler visualizarNutNut 12/02/2023
Humanidade, crença e fé, hostilidade.
O queijo e os vermes é um relato histórico do período da inquisição, conta a história de Menocchio, um camponês, moleiro, que fez de sua vida protesto.
Primeiramente, achei omisso que o autor tenha descrito no prefácio o livro como uma leitura ambígua, igualmente proveitosa para historiadores e leitores comuns. É uma leitura complexa, que exige uma ambientação dentro do tema, e se o leitor não tiver uma base de conhecimento sobre protestantimo, luteranismo, catolicismo e teocracia, vai ser uma leitura em idioma distinto. Portanto, é um livro bem nichado.
Menocchio, a persona de estudo do livro, colocava-se como filósofo e até profeta, tinha certo grau de presunção, queria expor suas opiniões a padres e príncipes, mesmo que isso custasse - e sem dúvidas custaria - sua vida.
Para ele todas as religiões eram boas, nasceu cristão e queria continuar sendo cristão, mas se fosse turco, jamais deixaria de ser turco, e se nascesse judeu, não tornaria-se cristão.
Amar o próximo era um preceito superior do que amar a Deus, blasfêmia não era pecado e Maria não era virgem.
O interessante de sua avidez era o acesso limitado à cultura que ele tinha, lia e escrevia, mas ainda era camponês. Carlo Ginzburg descreve que o mesmo "deformava tudo o que lia" e formava sua própria filosofia religiosa através de livros emprestados, em linguagem vulgar, e de baixo custo.
Em seu primeiro inquérito, Menocchio foi preso e condenado a pagar penitência, nos interrogatórios que se passaram houveram momentos na leitura onde eu prendia o fôlego, era extasiante.
Seu período em cárcere degradou sua saúde física e mental a ponto de ceder seu orgulho e dignidade e escrever uma carta com um advogado, implorando clemência e abolindo todas as suas afirmações anteriores.
Depois de solto, seus filhos que o queriam bem morreram, sua querida esposa faleceu e o que restou a Menocchio foram filhos que o desprezavam, uma reputação de louco e um orgulho ferido.
Sua trajetória tornou-se amarga e na verdade sua vida sempre foi descrita de forma solitária, frustrada e desonrosa, mesmo que o apelo emocional do livro seja praticamente nulo.
Menocchio se tornou uma bomba relógio, suas opiniões não mortas se tornaram ainda mais impactantes, em seus momentos de inglória dizia que se cristo fosse Deus, teria sido um frouxo de deixar que o metessem na cruz, que Virgem Maria era uma puta, e como queriam que Cristo tenha sido concebido pelo Espírito Santo, se essa Virgem Maria era uma puta?!
Ali foi considerado pior que turco, e obviamente denunciado ao inquisidor, após seu segundo inquérito, o próprio papa exigiu sua morte em carta. Foi condenado à morte pelo "gravíssimo crime de ateísmo".
O queijo e os vermes é um retrato intenso do que foi a Europa no período da inquisição, e como a sociedade dominada pela ideologia religiosa se torna doente. Menocchio foi apenas um moleiro, um camponês dentre tantos outros que foi morto por ser diferente. Foi considerado ameaça sem sequer ter credibilidade em suas palavras, não era perverso, era rebelde, e certamente tinha grandíssimo potencial como pensador. Os registros que temos estão na perspectiva errada, e ainda sim, Menocchio se destaca.
Nos provoca a reflexão, como humanos, ainda somos hostis e vis com o que é chocante, individual e discordante de nós? Por que, por quem? E acima disso, temos cura?