Dani do Book Galaxy 15/03/2020Somos todos androides?Eis um livro que fluiu em sua narrativa, para mim, mas levantou tantas questões dentro de minha cabeça que eu tive, literalmente, que parar a leitura em alguns momentos para pensar, ponderar, RACIOCINAR sobre o que eu estava lendo e o que aquilo queria dizer.
Não, a escrita de K. Dick não é complexa e nem traz frases complicadas ou palavras difíceis, mas as questões que ele levanta nessa obra (cujo título original, "Androides sonham com ovelhas elétricas?", soa muito mais pitoresco e simpático agora que li o livro) me deixaram levemente paranoica.
Rick Deckard, o protagonista - um caçador de recompensas que deve "aposentar" seis androides extremamente desenvolvidos -, é extremamente enviesado em seu ponto de vista, e isso guia o leitor por meio da história de forma que, mesmo acompanhando o que Deckard entende do mundo, começamos a ficar desconfiados.
E isso vai acontecendo com uma frequência cada vez maior durante a narrativa, tanto que, em um determinado momento, eu olhei ao meu redor e pensei, lá no fundinho da minha mente, que poderíamos todos ser androides sem nem perceber. Algo um pouco Westworld mesmo - com memórias implantadas e tudo o mais.
Claro que, uma vez superada a paranoia, comecei a me atentar a outras mensagens passadas pelo autor nessa obra. Fora as questões mais gritantes - como a óbvia empatia em relação aos robôs, ou seja, as questões éticas e morais que envolvem a robótica -, o autor também fala sobre preconceito, a valorização de bens materiais sobre conhecimento, o fanatismo religioso, o capitalismo desenfreado que gerou a "bagulhização" da Terra - em uma visão distópica extremamente pessimista do futuro, tal e qual outros autores de ficção científica.
Como pontos negativos, temos um protagonista um pouco morno, cuja personalidade não chama tanto a atenção e não nos permite criar uma conexão forte com seu ponto de vista. De fato, senti muito mais empatia em relação ao Isidore, outra personagem que é cruelmente classificado como "Especial", ou "cabeça de galinha", por ser intelectualmente inferior a outros seres humanos, e fica para trás na Terra para morrer junto à Poeira.
Outros pontos que me irritaram um pouco foi o descaso com as personagens femininas - ou melhor, a sexualização de todas elas, fossem androides ou fossem humanas.
Por fim, fechei o livro com MUITAS questões - não só sobre o enredo, mas sobre as questões levantadas, mesmo, principalmente em relação a até que ponto podemos considerar um androide - quase cem por cento indistinguível de um humano, que sente dor, tem memórias - dignos de empatia.
Principalmente porque, segundo K. Dick, o que difere os humanos de um androide é justamente isso: empatia. Androides não sentem empatia por si e nem pelos humanos; isso os torna mais fortes, superiores, mais dignos de habitar o planeta do que os humanos.
Então, nos encontramos em um paradoxo:
Não ter empatia por um androide faz com que perdamos a única característica que nos difere. Será que nossa característica que nos torna humanos é justamente a que nos torna fracos? Até que ponto devemos deixar de lado nossa humanidade, e quanto essa capacidade de escolher nos difere de um androide?
Fica aí o questionamento, e minha cabeça já começou a doer...