alineaimee 07/03/2016Olhar sensível e preocupação socialPublicado em 2014, "Quarenta Dias", de Maria Valéria Rezende, foi o romance vencedor da última edição do prêmio Jabuti.
O romance narra a história de Alice, uma senhora paraibana que se vê enredada numa trama familiar, um tanto absurda e tirânica, que a obriga a se mudar para Porto Alegre. Nessa cidade estranha, Alice irá, como sua xará do clássico de Carroll, percorrer uma jornada longa, difícil e labiríntica, em busca de entendimento e superação.
Nessa jornada, Alice viverá inúmeros momentos de estranhamento, mas também de reconhecimento. Irá perder quase tudo para recuperar ainda mais. E, nesse processo, a literatura comparece como um apoio, como as cartas na manga de que a personagem se utiliza para não se perder completamente, para se reconstruir.
Narrado em primeira pessoa, de forma confessional e profundamente carismática, "Quarenta Dias" traz uma personagem deliciosa - franca, arretada, generosa, sincera - que se abre para um aprendizado clariceano de troca, que de repente se vê destituída de referências, mas que se redescobre e se compreende no exílio.
Maria Valéria, que foi percorrer Porto Alegre em pesquisa de campo para o romance, criou uma cidade labiríntica, efervescente, onde pobres e marginalizados resistem, perseveram e se apóiam, e cujas jornadas, de certo modo, se entremeiam para engrossar a trama que há de reerguer a protagonista.
Marcado por um olhar sensível e por um jogo intertextual admirável, "Quarenta Dias" constrói um drama pessoal muito verossímil que tangencia de forma eficiente as nossas heranças culturais e os nossos abismos sociais.