Ivan de Melo 02/08/2020
"Skagboys" e tudo o que não coube em "Trainspotting", uma prequela necessária?
Bem, vamos lá. Minha recepção a este livro está diretamente ligada a minha experiência que se deu num projeto de leitura contínua da série escrita por Irvine Welsh. Li, portanto, em ordem de lançamento e numa só tacada li “Trainspotting” (1993), “Porno” (2002) e fechei o ciclo com “Skagboys” (2012). Apesar de compartilhar o mesmo universo narrativo e os mesmos personagens os livros são bem distintos, cada um possuindo um ritmo de narrativa e, talvez, até mesmo um objetivo distinto. Falar sobre “Skagboys” é então inevitavelmente falar sobre os outros dois títulos.
“Trainspotting” se destaca para mim como a melhor entrada desta série, isso por apresentar uma complexidade geracional do final da década de 1980 tão bem encarnada pelos protagonistas desajustados que tão bem conhecemos. O sucesso do filme de 1996 dirigido por Danny Boyle foi um dos vetores que resultaram na escrita de “Pornô”, uma elétrica continuação – e espécie de ruptura - que reapresentava o quarteto agora em meio as dificuldades da vida adulta na virada do século XX. Quase dez anos depois, todo o material que a princípio constituiria o primeiro livro, mas que acabou sendo cortado, é apresentado na forma de “Skagboys”, uma prequela que tenta retomar a fórmula de sucesso que “Pornô” não atingiu. E aqui está a minha inquietação com este livro.
Não fica claro em “Skagboys” em quantos anos a história antecede os acontecimentos de “Trainspotting”, mas encontramos Renton, Sick Boy, Spud, Begbie, e outros personagens já vistos, alguns anos mais jovens em meio a diversas experiências decorrentes da transição entre a adolescência e uma vida adulta que força seu caminho. São as primeiras responsabilidades, decepções e escolhas, como a relação de Renton com a universidade, as primeiras manipulações de Sick Boy ou a construção da má reputação de Begbie. Em meio a tudo isso uma derradeira descoberta que, como já vimos no futuro destes personagens, mudaria de vez as suas vidas: a heroína. Se em “Trainspotting”, estes mesmos personagens se debatem contra o vício que os consomem, em “Skagboys” acompanhamos a longa jornada ao fundo do poço, o declínio e a abstinência esquizofrênica, e o egoísmo cruel dos viciados em skag (gíria inglesa para a droga).
Tudo está de volta: a narrativa crua, o humor ácido, a crítica política e o comentário social, pontos altos da escrita de Welsh. O problema aqui é o ritmo. Este é o maior título da trilogia, um calhamaço de quase 600 páginas e a narrativa se arrasta ao longo de cada uma delas de uma forma torturante, e não me refiro somente ao estado sofrível a que chegam estes personagens em sua busca irrefreável pela droga. O que eu vejo aqui é a tentativa de alcançar a qualidade do primeiro título, mas por um caminho completamente distinto, e mesmo seu clímax, uma espécie de “Stand By Me” drogado, não proporciona empatia suficiente. Como se não fosse o bastante, essa tentativa de dialogar com “Trainspotting” acaba por criar um abismo que se distancia do ritmo frenético visto em “Pornô” (ainda mais quando se lê a série na ordem de publicação), o que na minha opinião mais separa os componentes da trilogia do que estabelece uma coesão para o conjunto. Por essas e outras que ao terminar a leitura eu me perguntava: “faria diferença se “Skagboys” não existisse?”.