Julian.Amaral 20/02/2016Rani é uma adolescente bem parecida com o que eu já fui um dia, incluindo as roupas rasgadas e o All Star tão gasto que só se reconhece o cadarço.
Rani tem 16 anos e mora numa cidade pequena, Graúna (quem morei numa cidade pequena aos 16?), onde nada acontece. Até que ela descobre ser uma xamã que precisa salvar o mundo. Simples, não?
Ao contrário da maioria das histórias heroicas, a adolescente não aceita sua missão e passa a acertar tudo, como uma chosen one fodona – um dos motivos que me faz desgostar de Duna, por exemplo, livro que a protagonista lê durante sua aventura. Rani sente medo, tem dúvidas, cuida das amizades e deseja ter a vida “normal” de volta, mesmo que seu entendimento de normal seja tocar e cantar Roots Bloody Roots, do Sepultura, com sua melhor amiga.
Uma das coisas que mais me agradou no livro foi a persistência de Rani. Ela sofria bullying numa escola particular por ser negra, continuou isolada na escola pública, tem que lidar com os sonhos e planos que seus pais fazem para seu futuro e precisa entrar numa luta fatal com outro xamã. Embora chateada e assustada, ela mantém seu cabelo natural, usa as roupas que a deixam confortável, lê e ouve o que quer e aprende a conviver com seu novo grupo de amigos… diversos. Ela não vê sentido em se preocupar com a faculdade, se essa só será sua realidade dali dois anos. O importante é o agora, e ela leva essa filosofia ao pé da letra.
Eu me identifiquei muito com Rani, apesar das nossas diferenças. Quando adolescente, eu odiava meu cabelo enrolado, porque sempre me ensinaram que só o liso é bonito. Gastei muito tempo com alisamentos, até o ponto de só deixar coques ou tranças, para (me) esconder. Tenho uma carequinha hoje do lado direito por causa desse tempo. Nos meus 16 anos, internet era uma coisa pouco acessível, especialmente numa cidade como a minha. Eu usava conexão discada, ou seja, não dava pra ouvir música. Descobria bandas quando alguém me indicava alguma ou me emprestava um CD. Já sabia um pouco de inglês e aprendia com a traduções de uma revista, até minha mãe poder me pagar um curso em outra cidade. Também tive banda, mas foi aos 18 e eram tempos confusos. Família, o namorado da época, amigos, todo mundo me bombardeava com expectativas que eu não conseguia enfrentar. Eu não sabia que podia enfrentar. Rani e o Sino da Divisão é um livro que eu tinha que ter lido naquela época, é o livro que eu mandarei para mim no passado se ainda viver quando as viagens no tempo começarem. Muita coisa teria sido melhor.
A linguagem usada é muito divertida e gostosa, dá pra sentir a acidez de Rani, Valentina e Pietro em vários momentos (vou usar muitas expressões, inclusive). A xamã é straight edge, vegetariana e gosta de Nirvana e The Distillers. Como não amar?
Aliás, tem música no livro todo, assim como referências de diversos assuntos comentados. Rani deixa “comentários” rabiscados em algumas páginas. Falando nisso, que diagramação maravilhosa! UAU!
Além da Rani, tem os Animais de Festa, tem a Marina, tem amazonas em dinossauros e uma piscina de bolinhas muito peculiar. E risadas garantidas em vários momentos. ;-)
site:
https://julianismos.wordpress.com/2016/01/21/rani-e-o-sino-da-divisao/