Desterrorama 01/07/2023
Trips
Ao ler este livro percebi que aldous huxley é mais interessante quando careta. o relato de sua trip sob efeito da mescalina é um tanto enfadonho: viajava na maionese com a ondulação de sua calça. isso me fez lembrar duma história do livro "1968: o ano que não terminou" de zuenir ventura. era um trecho sobre o cineasta glauber rocha e um técnico de cinema viajando de carro rumo ao nordeste. glauber dizia que os brancos estadunidenses espalharam drogas pesadas pelos subúrbios habitados pelos afro-americanos com a finalidade de desarticular o movimento dos "panteras negras". acreditava que as drogas transformavam os usuários em alienados. glauber era careta. enquanto ele lia "os sertões", seu companheiro de viagem, que era chegado num verdinho, ficou imaginando o que se passaria na mente do criador das pérolas "terra em transe" e "deus e o diabo na terra do sol" se fumasse um. criaria um épico cinematográfico, decupado magistralmente como um "ivan, o terrível" dum eisenstein, repleto de planos gerais, relâmpagos e trovoadas digno dum "sertões" de euclides da cunha? o técnico acendeu um fino e ficou surpreso quando glauber pediu uma tragada. o carro faz uma parada no meio do nada para glauber aliviar a bexiga. o cineasta some por um bom tempo. quando volta ao carro, o técnico lhe diz, que demora! onde você estava? então, com um ar de satisfação, glauber responde: batendo uma. enfim... em alguns artistas o efeito duma "planta de poder" é puramente fisiológico. a finalidade de huxley ao escrever esse ensaio era a mesma dos ensinamentos de don juan: expandir a consciência. o que realmente importa na "erva do diabo" é justamente o que don juan diz e não a trip de castaneda, que teve que utilizar "plantas de poder" como huxley para romper a "razão", arrombar "as portas da percepção" (metáfora de william blake) e mergulhar na dança do inconsciente. no entanto, as abordagens de ambos autores são diferentes. huxley é mais científico enquanto castaneda, apesar de tentar sistematizar sua experiência, é místico. o fato é que tanto huxley quanto castaneda influenciaram a contracultura dos anos 60. huxley aparece na capa de "sgt. pepper's" dos beatles e a banda the doors tem esse nome devido ao livro. entretanto a obra de outros artistas também serviu como contraponto à geração "paz e amor", como os quadrinhos undergrounds de robert crumb que ridiculariza e expõe as consequências do estilo de vida dos hippies. sua história sobre "as almôndegas" é genial. só poderia ser extraída da mente de quem viveu nesse período. william burroughs já era punk antes mesmo dos proto-punks americanos e dos britânicos de 1977. em "junky", que nasceu como cartas remetidas ao poeta allen ginsberg, burroughs mostra um panorama geral da vida dos viciados nos anos 50. burroughs não glamouriza esse submundo. seu "passe" custou muito caro: um tiro na cabeça de sua esposa. nos anos 70, hunter thompson fez uma viagem alucinada rumo à las vegas em busca do Sonho Americano, após perder um bem precioso: sua esposa (eles se separaram devido à instabilidade profissional e emocional do autor). hunter thompson criou o estilo gonzo, um novo tipo de jornalismo misturando a objetividade com a ficção, a caricatura humorada com o surrealismo. se matou em 2005. já philip k. dick, também contemporâneo de burroughs e thompson, consumiu todo tipo de droga para potencializar o processo criativo, porém sofreu profundamente o efeito colateral ao ponto de passar o resto de sua vida se questionando se o feixe de luz rosa que viu no início dos anos 70 se tratava duma entidade divina, que fora Buda e Jesus, ou loucura (vide pelo menos "VALIS" e "a scanner darkly"). de todos esses autores, PKD foi com certeza o mais doidão, pois de FATO viveu dentro de sua ficção. dizia que "a Realidade é aquilo que quando você para de acreditar, não desaparece". a trip de Huxley soa bastante ingênua comparada aos romances filosóficos de PKD. todas essas substâncias alteradoras da percepção transcenderam a mente e a obra desses autores durante o século XX, contudo, fausto fawcett em "favelost" nos alerta que o que abre a cabeça mesmo é machadada. em suma, lá vai uma dica de como escrever algo relevante com a percepção alterada:
1) fique três dias sem dormir e sem comer e depois tome três xícaras de expresso gourmet de shopping.
2) bata a cabeça três vezes numa parede e suba um morro. leve papel, lápis e borracha.
3) aguarde Deus no topo do morro por três horas. em breve Ele recitará os 10 Mandamentos pra você.