.Igor 03/04/2024
Não gosto muito de quebra-cabeças. Não pela dificuldade ou pela sua natureza, mas porque invariavelmente sou levado a tentar resolvê-los, e é aí que entra o problema. Veja só, raramente consigo parar até montar todas as peças ou desistir de vez - e mesmo nesses casos, ainda volto ao mesmo problema outras vezes - e, nessa brincadeira, perco um tempo danado e acabo não fazendo outras coisas.
Pode parecer meio sem sentido começar assim, mas é isso que "O Leopardo" é, um verdadeiro quebra-cabeças literário. Cada personagem, seja ele Harry Hole ou os vários deuteragonistas como Kaja, Bjorn, Gunnar, Tony ou Sigurd são essenciais ao enredo; peças tão ou mais importantes podem ser encontradas nas cidades da Noruega, nas vielas saturadas de gente de Hong Kong, nas zonas de conflito do Congo e Ruanda e, até mesmo, nas músicas e livros que fazem parte das vidas dos personagens. Arrisco dizer que cada frase desse livro é uma peça de um quebra-cabeças magnífico, irresistível tanto para o detetive Harry Hole quanto para o leitor.
Digo para os dois porque sabemos tanto quanto Harry. Cada nova informação que temos é nova para o detetive também; até mesmo aquelas informações passadas diretamente para o leitor ou para outros personagens não vão fazer o menor sentido até serem analisadas posteriormente e o melhor de tudo, elas vão fazer sentido. O melhor exemplo que posso dar é que, quando finalmente descobrimos a identidade do "Cavalheiro" responsável por tudo, percebemos que ele apareceu desde o começo em várias pequenas peças: é uma sensação de descoberta enorme, tanto para os personagens quanto para o leitor, e pouquíssimos livros do gênero que conheci tem pelo menos uma fração desse efeito.
O que falar então dos personagens? Cada um deles é tão bem construído e desenvolvido no texto que, se qualquer um deles passar a conduzir a história, tudo fluirá bem, mas esse fardo em especial coube à Harry Hole. Depois dos acontecimentos que levaram à prisão do Boneco de Neve, Hole está um literal farrapo humano, mas esse novo caso que lhe forçaram vai mudar tanta coisa... Um personagem diz em certa parte do livro que "pode fazer bem a todos renascer de vez em quando" e, digamos, que isso se encaixa perfeitamente à jornada de Harry.
E temos, por fim, os antagonistas. Não são poucos, cada um deles tem sua história e motivações. Mas não se engane, não há vilão incompreendido aqui - nunca gostei muito do termo, me parece a romantização de pessoas que machucaram os outros de livre e espontânea vontade e depois espera-se que seja "passado pano" para todas as desgraças causadas apenas porque tal vilão teve, por exemplo, uma infância difícil. Em "O Leopardo", todas as motivações para as ações são mostradas, minuciosamente até, mas em momento algum o autor força qualquer julgamento ao leitor, apenas mostra que todos sabem exatamente o que estão fazendo.
Agora encerrarei esse texto com mais uma negativa: também não gosto de fazer resenhas. Nunca fui fã de externar minhas opiniões e basicamente abomino a ideia de tentar mudar a opinião de outra pessoa, e o fato disso fazer parte do meu trabalho deixam as coisas um tanto desconfortáveis às vezes. Dito isso, alguns livros terminam e meio que, de forma irresistível, te levam a pensar bastante e a querer falar sobre eles, e "O Leopardo" é um deles. Então, se no meio dessas divagações todas você tenha ficado curioso sobre esse livro, definitivamente recomendo a leitura.