PorEssasPáginas 12/08/2015
Resenha: A Teoria de Tudo - Por Essas Páginas
Antes mesmo de assistir ao filme “A Teoria de Tudo”, eu já estava ansiosa para ler o livro escrito por Jane Hawking. Acabei assistindo o filme primeiro (ferindo meus princípios de somente assistir a uma adaptação após ler o livro), e adorei. O filme foi sensível, tocante e pareceu passar em segundos, e talvez por isso minhas expectativas para o livro tenham sido ainda maiores. É claro que um livro sempre tem muito mais histórias, e eu estava ansiosa por lê-las, mas se há uma palavra para A Teoria de Tudo é prolixo. Excessivamente descritivo, mas ainda emocionante, esse livro nos traz uma versão menos romantizada e mais palpável da vida de Jane e Stephen Hawking.
Esse é um dos poucos casos em que, senão melhor, a adaptação cinematográfica é mais agradável que o romance. Em A Teoria de Tudo – o filme – temos uma versão talvez um tanto romantizada, mas sensível, da vida em comum do casal Hawking e dos avanços científicos do brilhante físico. Além disso, Eddie Redmayne é extremamente carismático, talvez muito mais que Stephen o é de fato (e isso fica evidente durante a leitura). A química entre ele e Felicity Jones, que interpreta Jane, é imediata na tela, enquanto no livro o romance deles, especialmente no início, é mais comum, às vezes até um pouco semelhante ao frio clima e humor ingleses.
Mas não viemos aqui para falar do filme. O que é agradável nele também é um defeito: nenhuma vida é tão romântica como nos filmes, muito menos a vida difícil da família Hawking, e o livro mostra isso de maneira exemplar. Jane, como ela própria diz, “conta todas as suas bênçãos”, mas jamais priva o leitor de revelar todas as angústias e dificuldades da vida em comum com um portador de uma doença tão triste e difícil como a esclerose lateral amiotrófica, a ELA. Mas não é só a doença que dificulta a vida e compete com Jane pela atenção de Stephen: a maior e mais difícil rival é a Física e, posteriormente, a fama que irremediavelmente afeta Stephen e acaba levando o casal a um triste e traumático divórcio.
Mas antes disso temos muitas e muitas páginas desde o momento em que Jane e Stephen se conheceram, passando por seu namoro, casamento, o nascimento e criação de seus filhos, as inúmeras viagens e, claro, os magníficos avanços científicos. Mas, certamente, a coisa mais bela em toda essa história – para mim – foi o grande amor e a intensa dedicação que Jane teve por seu companheiro de vida. A genialidade de Stephen é inegável, mas ao ler essa obra a minha admiração por Jane ultrapassou a admiração pelo cientista. Não fosse por ela, por sua dedicação e carinho, por todos os seus sacrifícios, dificilmente Stephen teria chegado tão longe. É triste ver como tanto família, conhecidos, quanto a comunidade científica, a sociedade e até mesmo o próprio Stephen não valorizam Jane como ela realmente merecem. Muito por ser mulher, ela é relegada à segundo plano e constantemente julgada por tentar manter a própria individualidade (e sanidade), concluindo sua tese e aplicando-se a outras atividades intelectuais e artísticas, não se dobrando à pressão de tornar-se enfermeira por causa da doença do marido, e muitas vezes colocando os filhos em primeiro plano, como toda mãe. Jane, afinal, é uma mulher, era a esposa de Stephen, não sua mãe, empregada ou enfermeira (ou os três). Há alguns momentos realmente melancólicos nos quais senti verdadeira raiva de Stephen por sua insensibilidade e egoísmo, tanto na sua falta de respeito com a fé de Jane, mas especialmente com a falta de consideração com sua intelectualidade, tratando-a como inferior.
Mas o que me incomodou na leitura do livro foi que Jane é por demais extensa em sua narrativa e talvez isso tenha comprometido a leitura; ela se apega à detalhes não tão relevantes, sabiamente cortados na adaptação cinematográfica, mas que também poderiam ter sido sumariamente removidos do livro. Há, é claro, histórias e fatos muitíssimo interessantes que ficaram de fora do filme e enriquecem nosso conhecimento durante a leitura, mas por outro lado há muita descrição e histórias que pouco acrescentam. Isso tornou a leitura muitas vezes cansativa, densa e problemática; especialmente nas primeiras 200 páginas, parece que o livro não engrena, não tem fôlego, há passagens excessivamente comuns descritas em longos parágrafos exaustivos. É só da metade para o final que o livro realmente encontra sua voz e há bem menos passagens descartáveis (mas elas ainda existem). Nesse sentido, lendo os agradecimentos no final, descobri que, afinal, A Teoria de Tudo é a versão resumida (sim!) da primeira versão do livro de memórias escrito por Jane, Music to Move the Stars. Se essa foi a versão resumida, confesso que tenho muito medo da versão estendida.
“Naquele dia, Robert sobreviveu, mas um pouco de mim morreu. Algum, mas não todo, daquele otimismo juvenil extravagante que eu levava comigo e que me incendiava com tanto entusiasmo agora estava enterrado debaixo de um pesado fardo de ansiedade, aquela atenção surda que, uma vez que infecta a mente, nunca mais é banida.” Página 142
A edição brasileira da Editora Única está simples, porém muito confortável (apesar do tamanho do livro, que pesa bastante em leituras fora de casa), com uma boa diagramação e um papel de qualidade. Encontrei poucos erros de revisão que em nada atrapalharam a leitura. Mas se você for do tipo de leitor que adora ler fora de casa, recomendo o e-book por conta do tamanho e peso.
Não fosse pelo caráter prolixo da narrativa de Jane, essa seria uma biografia ainda mais extraordinária; porém, é impossível ignorar a exaustão que as descrições da autora causam ao leitor. Recomendo que leiam, sim, para conhecer a verdadeira história de Jane e Stephen Hawking – o filme é um ótimo ponto de partida, mas é romântico demais para seu próprio bem -, já que a biografia é honesta e contém todos as adversidades, tristezas e a personalidade dura e muitas vezes enervante de Stephen, coisa que o filme oculta em grande parte. Não é um livro para ser lido rapidamente, mas aos poucos, para evitar a sobrecarga. Quem gosta de profundidade, leia o livro, quem prefere a superfície, fique com o filme.
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