Alane.Sthefany 17/03/2023
Sono - Haruki Murakami
Eu amei esse conto, é a minha primeira experiência com o autor e estou simplesmente apaixonada, pretendo conhecer outros livros do Murakami.
Cada pessoa terá uma experiência diferente, mas eu amo essas coisas mais introspectivas, divagações, pensamentos sobre coisas simples e complexas ao mesmo tempo; coisas sobre a vida, do nosso dia a dia, que passam despercebidas.
Me lembrou bastante a escrita da Clarice Lispector, não o enredo, mas a forma como é escrito.
Eu viajei geral lendo, principalmente com o final, pareceu o filme que eu assisti "Efeito Flashback", que alguém me recomendou depois de eu ter assistindo o filme "Efeito Borboleta", pois disseram que era a mesma vibe, para quem tinha gostado.
Ele não é um livro tão bem avaliado, mas eu gostei bastante, li em apenas uma sentada, até porque é um livro bem curtinho.
No livro tem spoiler de Anna Karenina, de Tolstói; eu fugindo de spoilers e sempre pego um lendo outros livros ?
Trechos Preferidos ?????
Todas as coisas ao meu redor estavam turvas e embotadas. Minha própria existência era algo questionável, uma espécie de alucinação.
(...) eu sentia a necessidade de me agarrar em algo. Mas, ao observar ao redor, não encontrei nada a que pudesse me agarrar.
Não podemos nos dar ao luxo de reclamar.
Estou com trinta anos. Aos trinta descobre-se que isso não é o fim do mundo.Não digo que é agradável envelhecer, mas há de se convir que certas coisas tornam-se mais fáceis com a idade.
Essa é minha vida. Ou melhor, era minha vida antes de eu não conseguir dormir. De um modo geral, todos os dias eram praticamente iguais, uma mera repetição. Eu escrevia um diário, mas se eu me esquecesse de escrevê-lo dois ou três dias já não sabia mais diferenciar um dia do outro. Se eu trocasse o ontem pelo anteontem, não faria diferença alguma. As vezes eu pensava, ?que vida é essa?, mas nem por isso sentia um vazio. Eu me sentia simplesmente assustada. Assustada por não conseguir discernir o ontem do anteontem. Assustada pelo fato de eu pertencer a essa vida e ter sido tragada por ela. Assustada por constatar que minhas pegadas foram levadas pelo vento sem que eu tivesse tempo de me virar e constatar a existência delas. Quando eu me sentia assim, eu ficava em frente ao espelho do banheiro contemplando meu rosto. Permanecia em silêncio durante cerca de quinze minutos mantendo a mente vazia, sem pensar em nada. Observava detidamente o meu rosto como se ele fosse apenas um objeto. Ao fazer isso, meu rosto gradativamente se dissociava de mim e passava a ser uma coisa com vida própria. Essa dissociação me ajudava a tomar consciência do meu presente. Conscientizar-me de um fato bem importante: a minha existência estava no aqui e no agora, sem nenhuma relação com as pegadas que deixei.
Por que será que a vida da gente muda de modo tão radical? Para onde foi aquela eu de antigamente (...) ?
Sendo assim, o que é a minha vida? Estou sendo consumida por uma tendência e, para me recuperar, preciso dormir. Minha vida seria tão somente uma mera repetição dessa tendência? Minha vida se resumiria em envelhecer enquanto eu dava voltas e mais voltas em torno de um mesmo lugar?
?Estou expandindo minha vida?, pensei. Eu tinha o período das dez da noite às seis da manhã só para mim. Até então, eu consumia um terço do dia numa atividade denominada dormir; o que eles chamam de ?tratamento para esfriar o motor?. Mas, agora, um terço da minha vida passou a me pertencer. Não é mais de ninguém. E somente meu. Posso usá-lo do jeito que eu bem entender. Nesse período, ninguém vai me incomodar nem me requerer.
Nesse período que me foi estendido, eu sentia que estava viva. Eu não estava sendo consumida. Ou, ao menos, a parte não consumida podia viver e me fazia sentir viva. Por mais que uma vida seja longa, não vejo sentido em experimentá-la sem a sensação de estar viva. Agora eu via isso com total clareza.
Viver e nao conseguir se concentrar é o mesmo que estar de olhos abertos sem poder enxergar.
Não tenho do que reclamar, penso eu. Mas, às vezes, é justamente o fato de eu não poder reclamar que me deixa irritada. ?Não ter do que reclamar?.
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Se eu morrer agora, o que posso dizer que fiz da minha vida? Eu não sabia responder.
O que será a morte?, pensei.
Até então, eu achava que o sono era um tipo de morte. Ou seja, a morte seria uma extensão do sono. Em outras palavras, a morte era como dormir. Comparada ao sono, a morte era um sono bem mais profundo, sem consciência. Um descanso eterno, um blecaute. Era isso o que eu pensava.
Mas pode ser que eu esteja errada, pensei. Será que a morte pode ser um tipo de situação totalmente diferente do sono? Será que a morte não seria uma escuridão profundamente consciente e infinita, como a que estou presenciando agora? A morte pode ser uma eterna vigília na escuridão.
Se a morte é isso, é muito cruel. Se a morte não significa o descanso eterno, qual seria a salvação para as nossas vidas tão imperfeitas, tão cheias de incertezas? Ninguém sabe o que é a morte. Quem de fato a presenciou? Ninguém. A não ser quem já morreu. Entre os vivos, ninguém pode dizer o que é a morte. Aos vivos só resta fazer suposições. E a melhor suposição é apenas isso, uma suposição. Dizer que a morte é o descanso não faz sentido. A verdade só é revelada quando a pessoa morre. Nesse sentido, a morte pode ser qualquer coisa.
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Mantive os olhos fechados, incapaz de abri-los. Observei em silêncio a densa escuridão que se postava diante dos meus olhos. A escuridão era profunda como o universo, e não havia salvação. Eu me sentia só. Minha mente estava muito concentrada, e se expandia. Tive a sensação de que, se eu assim desejasse, poderia ver as profundezas desse universo mental. Mas decidi não fazê-lo. ?E muito cedo?, pensei.
Se a morte é isso, o que devo fazer? O que fazer se a morte é um eterno estado de consciência, restrito a observar em silêncio essa escuridão?
As lembranças do que tinha acontecido antes de eu não poder dormir parecem se distanciar rapidamente. E uma sensação muito estranha. E como se aquele eu que dormia diariamente não fosse eu, e que as lembranças daquela época não fossem minhas. ?E assim que as pessoas mudam?, penso. Mas as pessoas não percebem essa mudança. Ninguém as percebe.