jota 17/07/2021BOM: história curta, com lances poéticos e filosofia oriental mesclados com elementos kafkianos, é agradável até certo ponto e se encerra com um toque nietzschianoLido entre 13 e 16/07/2021
Esses comentários contêm spoilers. Portanto, se pretende ler o livro, abandone a leitura aqui mesmo. Isso posto, a história começa bem, narrando a rotina de um jovem carteiro canadense, Bilodo. O rapaz leva uma vida simples, rotineira, com poucos amigos; ele é um recluso, melhor, um solitário, conforme o título. Depois descobrimos que sua reclusão tem a ver com o mau hábito de abrir cartas antes de entregá-las aos destinatários, o que é um crime, na verdade. Ele as lê como se estivesse lendo uma história, um livro. Para complicar, Bilodo se envolve demais com certas cartas: acaba se apaixonando por uma jovem professora primária de Guadalupe, Ségolène, que troca poemas com Gaston, um poeta de Montreal. O carteiro descobriu o caso interceptando as cartas com haicais, que ela envia frequentemente para o poeta, único modo de correspondência entre os dois. Se usassem e-mail ou coisa parecida o livro de Denis Thériault possivelmente seria muito diferente do que lemos aqui ou nem existiria.
Continuando: um dia, um acidente mortal acontece, um atropelamento, e então, para manter sua paixão pela moça, Bilodo passa a viver uma espécie de vida dupla. Continua sendo ele mesmo, mantendo seu trabalho de carteiro e suas manias, mas também passa a viver como Gaston, o poeta atropelado. Começa a se interessar mais profundamente pelos haicais, manifestação poética japonesa, estuda o assunto e se arrisca a escrever os seus pequenos poemas. Ao mesmo tempo, por conta de suas recentes atitudes, a amizade que mantém com uma garçonete, Tania, e com aquele que parecia ser seu melhor amigo, Robert, fica estremecida. Lá de longe Ségolène continua a acreditar que está trocando versos com o verdadeiro poeta porque Bilodo se aperfeiçoou na arte de escrever os haicais, além de ter aprendido muita coisa sobre eles, os diferentes significados dos símbolos orientais etc. Mais um pouco e o carteiro e a professora estão apaixonados e os poemas agora também apresentam conteúdo sexual implícito.
A coisa se torna ainda mais kafkiana quando a professora anuncia, através de um poema, claro, que brevemente estará vindo para Montreal conhecer Gaston. De apaixonado Bilodo passa a enlouquecido, porque será descoberto como falsário; ele pensa nas possíveis implicações negativas desse fato, que perderá o amor da moça, pensa até mesmo em se matar. Como não sabe o que fazer, então é hora de Thériault resolver a situação pelo personagem. Como o livro é bastante curto, o final imaginado pelo autor vem rapidamente (e repetidamente). De Kafka saltamos para Nietzsche e seu conceito do eterno retorno. Um arranjo que o resenhista do periódico inglês The Guardian, depois de afirmar que o livro é “peculiar e charmoso”, chamou de “bem executado”. Mas que pode não agradar plenamente a todo mundo (quer dizer, leitores comuns como eu), ainda que esse final se dê de modo filosófico, até poético. Pode ser que você aprecie o livro mais do que eu...